Há algo de muito, muito errado com um país no qual a Constituição garante a
mais ampla liberdade de imprensa, inclusive com o vedação a qualquer forma de
censura, e mesmo assim ocupa apenas a 111° posição no Índice de Liberdade de
Imprensa. Na América do Sul, o Brasil está a frente somente da Colômbia e da
Venezuela.
Os nostálgicos dos
anos rebeldes tendem colocar a culpa dessa situação (e de todas as outras) na
ditadura militar. Convenhamos que depois de 30 anos de redemocratização, essa
explicação seria no mínimo absurda.
Bem, quase não se
fala disso, mas o Brasil tem um recorde bastante incômodo: é o país democrático
com a maior quantidade de conteúdo censurado no Google, com a peculiaridade de
que em todos os casos a censura é determinada pelo Poder Judiciário.( Dona OAB em silêncio)
Há ainda a uma forma
mais sutil de censura: a extensiva utilização da publicidade oficial em
milhares de veículos de comunicação, que se tornam financeiramente dependentes
do governo.( TV Globo e sócias)Para quase todos os veículos de comunicação, a retirada da
publicidade oficial significa simplesmente a falência. Convenhamos que isso se
torna um poderoso incentivo à autocensura, pois o risco de falar livremente
contra o governo pode ser fatal.
A educação
regulamentada, controlada e provida pelo Estado não tem por objetivo formar
pessoas capazes de participar do processo democrático, realizar atividades
produtivas e desenvolver seus talentos, como determina a Constituição Federal.
Isso seria "modesto demais" e deixaria sem explicação convincente a
existência desse gigantesco sistema escolar, que envolve milhões de pessoas e
orçamentos de bilhões de reais.
O Estado, por meio da
"educação", tem a pretensão de criar o "novo ser
humano", livre de qualquer concepção considerada irracional, como as
religiões e as tradições. Esse é o espírito do humanismo cientificista, no qual
a ciência é o único conhecimento legítimo. Além disso, qualquer ideologia que
esteja em voga no momento termina por ser incluída de algum modo no currículo
escolar (desde "Moral e Cívica" na época dos militares até as
tentativas de introdução da ideologia de gênero hoje em dia). Por isso, a
doutrinação ideológica e as técnicas de mudança comportamental não são
deformações do sistema escolar, mas mecanismos essenciais de seu funcionamento.
O problema disso tudo
é que não cabe ao Estado formar a personalidade e a visão de mundo de seus
cidadãos. Essa função cabe inicialmente à família e posteriormente à própria
pessoa, que se auto modela no curso da vida. Em uma sociedade pluralista e
multicultural, o Estado deve se manter, na medida do possível, moralmente
neutro, sem privilegiar determinadas concepções de mundo em detrimento de
outras.
Enfim, a função
implícita do sistema escolar massificado é uniformizar pensamentos e ações e
diminuir eventual resistência à ideologia dominante na classe intelectual. É
isso que nossos "educadores" querem dizer quando falam em
"formar cidadãos". Não por acaso, governos totalitários, como os
nazistas, fascistas e comunistas, investiam pesadamente nessa
"formação". A "pátria educadora" é exatamente o
reconhecimento no Brasil desse projeto totalitário.
Vez por outra vejo
alguém muito preocupado com a "imoralidade" de determinados conteúdos
da TV. De fato, não se pode afirmar que a TV é atualmente uma
"disseminadora de boas práticas". Porém, há outra questão que me
intriga.
Qual é a moralidade
do mero ato de ver televisão? Essa pergunta seria irrelevante se não fosse o
fato de que as pessoas no Brasil ficam em média de quatro a cinco horas por dia vendo TV,
que é a atividade mais realizada pelas pessoas em seu período de descanso. Não
tenho uma resposta para essa pergunta, mas tenho um incômodo.
E esse incômodo vem
da percepção de que exatamente no período em que as pessoas têm mais liberdade
de ação, elas resolvem não fazer nada e apenas olhar fixadamente para uma tela.
E essa tela não contém a vida de quem assiste, mas outras vidas, outras
histórias. Não importa se você está assistindo ao noticiário ou a novela: é a
vida dos outros que você está vendo e ouvindo e não a sua própria. Aquele que
chega em casa depois do trabalho e fica vendo TV até dormir está dizendo para
si mesmo que a sua vida não vale a pena e que deve realizar todos os esforços
para escapar dela. A semelhança da TV com o mito da caverna de Platão é
impressionante: em ambos os casos, parece que preferimos um mundo de sombras e
ilusões à realidade.
Contudo, essa parece
ser a verdadeira "função social" da televisão: fazer com que nos
esqueçamos de nós mesmos. Para a imensa maioria das pessoas, as necessidades
materiais mais imediatas já foram satisfeitas; poucos vêem a vida com um sentido
de missão e muito menos de espiritualidade. O resultado necessário disso é o
tédio crônico no qual nada na sua vida tem graça e a única solução é ver a vida
dos outros por meio de uma tela. Alguém uma vez me falou que para produzir o
caos social no Brasil, basta deixar a população três semanas sem TV. Quando
ouvi, achei a afirmação exagerada, mas hoje temo que ele tenha razão.
Por isso mesmo,
acredito que o voto obrigatório seja uma verdadeira violência, além de
desnecessário e contraproducente. Exigir que opinemos sobre questões para as
quais nunca nos dedicamos seriamente significa pedir que essas decisões sejam
baseadas em meros preconceitos e impulsos. O modo como a maior parte das
pessoas escolhem seus candidatos é tão racional quanto um jogo de dados. Não
consigo imaginar como a democracia e o Estado de Direito saem ganhando com
isso. Por outro lado, não é difícil perceber como o voto obrigatório facilita
tremendamente a utilização de estratégias de marketing para direcionar os
preconceitos do eleitor contra ou a favor determinado candidato.
Ninguém pode ser obrigado a participar de uma democracia. Na prática, o ser humano não é necessariamente um "ser político". Ser eleitor, como qualquer outra atividade na vida, é uma questão de interesse e vocação. E ninguém pode ser moralmente recriminado por não direcionar seus interesses para a vida política.
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