Imbecilização planejada ou Midiotas?
Recente pesquisa divulgada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro
mostrou que 70% dos brasileiros não
leram um livro sequer em 2015. O resultado é preocupante, especialmente se
comparado a anos anteriores. Até 2013, a média de leitura do brasileiro era
pequena, mas apresentava um número bem mais significativo. Esta média era de quatro livros por ano, sendo 2,1 livros
lidos até o fim o que é sofrível, segundo levantamento feito pelo Ibope Inteligência em
2013. Por que o Brasil lê tão pouco?
O assunto não gerou nenhuma
comoção nacional. Não motivou manchetes
de jornais e revistas, reportagens especiais no rádio ou na TV e muito menos comentários ou editoriais indignados.
Em outras palavras, pouquíssimo se falou sobre o tema, com professores e
escritores repetindo as respostas de sempre: o problema se deve ao pouco investimento em estudo, à
falta de vontade política e à própria cultura do povo brasileiro, mais oral do
que textual.
Além do governo e das próprias pessoas, existe outro grande responsável
por este estado de coisas que nunca é lembrado: a mídia brasileira
principalmente as Organizações Globo que transforma o telespectador em mero mutante sem alma um réptil sem cor
e substância na disputa desenfreada por audiência. Nunca houve, de forma
efetiva e continuada, investimento desta mídia no aprendizado e desenvolvimento de crianças, jovens e adultos. Ao
contrário, investiu-se e investe-se cada vez mais na imbecilização geral.
Em todos os países democráticos,
a educação sempre foi uma das tarefas prioritárias dos meios de comunicação, ao
lado de informar, entreter e prestar serviços. Tarefa reforçada pelo fato de
que na Europa, a mídia audiovisual
pública, comprometida os interesses da cidadania, precedeu à mídia comercial.
O quê faz uma enorme diferença. Mesmo nos Estados Unidos, onde a mídia comercial prevalece, existem mais de
600 emissoras de rádios e TVs públicas que servem de parâmetro para as
demais e para a própria sociedade.
Roquette-Pinto
e a “escola dos sem-escola”
No Brasil, as primeiras experiências envolvendo o rádio e a televisão
tiveram em comum a mesma pessoa e olhem o pedigree: o médico, sociólogo, educador, professor e cientista carioca Edgar
Roquette-Pinto. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por ele criada em
1923, tinha como objetivo difundir a
educação e a cultura em todo o território nacional, pois entendia este
veículo como “a escola de quem não tem escola”.
Vejam o que já foi o Brasil nem
sempre foi este lugar primitivo e esquizofrêniuco,A Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro foi a primeira emissora na América do Sul a transmitir uma ópera
completa, a apresentar um programa de teatrinho infantil, a levar ao ar cursos
de português, história, inglês, física, biologia e química, além de transmitir
palestras sobre assuntos do momento e tocar música brasileira com regularidade.
Apesar de sua importância e do compromisso com a educação, num país tão carente
de iniciativas dessa ordem, uma série de determinações do governo federal o
estado meus amigos passou a complicar a
vida da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
O decreto nº 16.657 de 5 de
novembro de 1924 proibiu a inserção comercial nas suas transmissões. Até
aí, tudo bem, porque a emissora sobrevivia graças à mensalidade paga por seus 300 filiados. O enorme interesse das
pessoas pelo rádio começou a ter efeitos também sobre os proprietários de
jornais que identificaram o novo veículo como adequado para se ganhar dinheiro.
Um desses proprietários era Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de
Melo que, já possuindo sete jornais e
uma revista, o Cruzeiro, inaugura, em 1935, no Rio de Janeiro, sua primeira
emissora de rádio, a Tupi. Para viabilizar seu negócio, contou com recursos de empresas como a General Eletric e de
patrocinadores se fosse hoje os
nossos impostos é que ele iria buscar, entre os quais estavam quase todos os milionários cariocas e paulistas.
Chateaubriand passa a pressionar – e consegue – que o governo liberasse a
publicidade nestas emissoras. Depois disso, o rádio brasileiro nunca mais
voltou a dar ênfase à educação, com o próprio Roquette-Pinto entregando, no ano
seguinte, numa atitude inédita, sua emissora para o Ministério da Educação e
Cultura (MEC). Ele não aceitava
condicionar a programação aos interesses dos anunciantes e, sem outra forma
para manter a rádio, uma vez que os assinantes minguavam, acreditava que nas
mãos do governo ela poderia ter um futuro melhor.
Resumo da ópera: a televisão educativa sonhada e planejada por
Roquette-Pinto, que já contava com o apoio e o financiamento da Prefeitura do
Rio de Janeiro (então distrito federal), acabou, por pressões políticas, sendo
inviabilizada, enquanto a emissora comercial de Chateaubriand foi inaugurada em
19 de setembro de 1950, em São Paulo. Ao contrário de outros países, a
televisão comercial no Brasil nunca pensou seriamente em seu compromisso com a
educação e menos ainda que foi e continua sendo uma das principais responsáveis
pelo próprio iletramento vigente no país.
Iletramento
e alienação
Os males do analfabetismo são conhecidos. Uma pessoa que não dispõe da
“tecnologia” do ler e do escrever, não
pode exercer em toda a plenitude os seus direitos de cidadão. O analfabeto é
marginalizado e não tem acesso aos bens culturais das sociedades letradas. No
entanto, existe, nos dias atuais, outra forma de analfabetismo tão ou mais
grave, sobre a qual quase nada é dito. Trata-se do iletramento provocado pelos
meios de comunicação, em especial os audiovisuais.
No campo acadêmico, estes estudos são
denominados media literacy, que em português não tem tradução direta, pois a
palavra letramento não existe nos dicionários da língua portuguesa. Razão pela
qual, muitos preferem referir-se ao tema como sendo educação para a mídia. Seja como for, o certo é que letramento ou
educação para a mídia significa que o
indivíduo precisa de uma educação especial que o habilite a entender o conteúdo
da mídia e o possibilite a formular sua própria opinião sobre os assuntos
abordados.
O iletrado é o oposto
disso. É o cidadão que não dispõe de recursos para compreender como a mídia
funciona e, sobretudo, para relativizar o que lhe é mostrado. Até porque, a
verdade/realidade para a mídia comercial, com as exceções de praxe, é quase
sempre o que interessa aos seus proprietários e anunciantes.
Na Europa e nos Estados Unidos, onde este problema há muito foi detectado, a preocupação em evitar que o
iletramento leve à alienação da sociedade está se transformando em prioridade
para universidades, instituições de ensino e cidadãos. Nestes países,
a mídia audiovisual é regulada e conta
com o contraponto da mídia pública. Situação que torna a realidade
brasileira mais grave ainda, a
exigir das autoridades, dos Ministérios (Educação, Cultura e Comunicações), das
escolas de ensino básico e fundamental, das universidades e dos setores mais
sensíveis a esta temática um posicionamento imediato.
Que a mídia comercial brasileira
nunca teve preocupação com a elevação do nível intelectual e de informação da
população é fato. O problema é que este descompromisso está aumentando e a
grande maioria não se dá conta disso. Quando se pensa em educação da
população brasileira, pensa-se como há 50 ou 100 anos, quando a tarefa era
função primordial da família, das igrejas e da escola. Hoje não é mais.
Midiotas
A mídia, em especial a televisão, transformou-se na arena por excelência do espaço público brasileiro. Presente em 98%
dos lares, ela é também o principal meio de que dispõe a população para se
informar e para entender o mundo em que vive. Quando a televisão deixa de
lado esta tarefa e passa a mostrar uma realidade que não condiz com os fatos,
não é preciso muito esforço para se avaliar os problemas daí decorrentes.
As novas tecnologias da comunicação, em especial a internet 2.0 com suas
redes sociais, tem contribuído para
minimizar os efeitos deseducativos da mídia comercial. Mas no Brasil,
infelizmente, ainda se está longe de uma universalização do acesso a estas redes,
o quê mantem e aprofunda a gravidade do quadro, em que a redução da leitura é apenas uma das pontas do iceberg.
Os telejornais brasileiros (Jornal Nacional à frente) são os principais responsáveis pela
desinformação que permeia a sociedade brasileira, pois ao mostrarem
diariamente, sem qualquer contextualização e espaço para o contraditório,
Mais ainda, a mídia tem sido, no Brasil, fonte de idiotia nacional.
Basta pensar nos Big Brothers, nos programas de auditório, com suas competições
e jurados duvidosos, e nos programas policialescos, com o permanente estímulo
ao se fazer “justiça com as próprias mãos”.
Enquanto isso, aqui no Brasil, a mídia
comercial, numa unanimidade que Nelson Rodrigues já sabia ser burra, continua
promovendo e contribuindo para o iletramento
da população. Ou, como já bem definiu Luciano Martins Costa para que no lugar de cidadãos tenhamos, cada
vez mais, midiotas.
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