sexta-feira, 17 de julho de 2015

Pan-americano, a disputa de carecas por um pente.


Medalhas Pan
(VEJA.com/VEJA)
​Um Pan, Qualquer Pan, sempre é um torneio de marcas pouco expressivas, espremido entre competições mais decisivas. Do ponto de vista brasileiro, o torneio de Toronto carrega um paradoxo que o diminui ainda mais. Por anteceder a Olimpíada em casa, no Rio, era de esperar entusiasmo suplementar. Mas não. Em muitas modalidades, o Brasil tem vaga garantida por ser sede olímpica - ou seja, o bom desempenho no Pan seria indiferente. É o caso do polo aquático masculino, que conquistou no mês passado o inédito terceiro lugar na liga mundial, superando os Estados Unidos na disputa do bronze (os dois primeiros lugares ficaram com Sérvia e Croácia), e carimbou a vaga para o ano que vem. O vôlei também é vítima desse efeito colateral - a seleção masculina chegou ao Canadá com um time reserva, mais atenta às duras partidas da liga mundial. A equipe feminina, que o treinador José Roberto Guimarães anunciara com força total, também decidiu viajar com um grupo misto.
Em esportes individuais, como o atletismo e a natação, a competição é contra o relógio, em busca de tempos baixos. Como os atletas precisam alcançar índices olímpicos, é fundamental ter mais empenho em competições entre os melhores do mundo, que forçam resultados bons. "Nos Estados Unidos, ao atleta que já tem índice para os mundiais é dada a opção de não disputar os Jogos Pan-Ame­ricanos", é o caso do velocista Trayvon Bromell, que não estará em Toronto. "É uma decisão sensata. Correr entre os melhores atletas do mundo traz mais maturidade." Decisão semelhante tomou o nadador Cesar Cielo. O atual tricampeão mundial dos 50 metros nado livre decidiu abrir mão da competição continental para dedicar suas braçadas à preparação para o Mundial de Esportes Aquáticos de Kazan, na Rússia, em agosto. Dias antes do Pan, ele estava na França para encarar os adversários diretos por uma medalha em 2016, entre eles Florent Manaudou, que o venceu nos Jogos de Londres, em 2012.
"As várias competições do calendário acabam por prejudicar um pouco a força do Pan", admite o superintendente de esportes do Comitê Olímpico Brasileiro, Marcus Vinicius Freire. O dirigente acredita que o novo patamar atingido pela elite do esporte brasileiro exige um comportamento mais parecido com o que já é praticado pelo comitê americano, que historicamente não envia aos Jogos Pan-Americanos seu time de elite - o maior medalhista olímpico de todos os tempos, por exemplo, o nadador Michael Phelps, nunca disputou um Pan. No passado, contudo, quando as competições eram menos numerosas, a disputa pan-americana foi celeiro de nomes que em seguida explodiriam para o mundo, como Mark Spitz (em Winnipeg, 1967) e Carl Lewis (San Juan, 1979), além de palco para o histórico salto de João do Pulo na Cidade do México, em 1975.
Existem, obviamente, exceções. Para o judô brasileiro, principalmente o feminino, a competição serve de treinamento forte contra adversárias diretas na disputa olímpica. Haverá, nos próximos dias, embates duríssimos entre Mayra Aguiar e a americana Kayla Harrison, algoz da brasileira e medalha de ouro em Londres; entre Maria Portela e a colombiana Yuri Alvear, a atual campeã do mundo; e entre Rafaela Silva e a americana Marti Malloy. Em alguns casos, entra em ação o componente psicológico. Torben Grael, treinador-chefe da equipe brasileira de vela, decidiu que seria bom para sua filha, Martine, e a parceira de barco dela, Kahena Kunze, participar do Pan, mesmo que a disputa não seja forte tecnicamente. "O Torben não queria que a Martine vivesse em casa, no Rio, a primeira experiência em competição multidisciplinar, especialmente sendo líder do ranking mundial e favorita à medalha", afirma Freire, do COB. Trata-­se, aqui, da convivência inaugural com a vitória (ou a derrota), tendo centenas de outros esportistas ao lado.
O retrospecto, tanto o recente quanto o histórico, sugere o necessário distanciamento do frenesi criado pela chuva de medalhas do Pan, que virá, inevitavelmente - ela não se repete na Olimpíada. Em muitos casos, as conquistas foram exageradamente celebradas. Mesmo a vitória da seleção masculina de basquete, em 1987, no Pan de Indianápolis, contra os Estados Unidos, deve ser revisitada e posta em perspectiva. A equipe liderada por Oscar Schmidt surpreendeu ao derrotar os americanos, mas o time adversário era fraco, formado essencialmente por universitários inexperientes. Na Olimpíada seguinte, o Brasil ficou em quinto lugar. Não foi ruim, mas não foi o pódio anunciado com pompa e circunstância no ano anterior.
A certeza de resultados irrelevantes no Pan parece ter servido de atalho para que os moradores de Toronto pouco se interessem pelo torneio. Quase metade dos ingressos não foi vendida. Há muito mais entusiasmo com as notícias dos Raptors, a equipe de basquete que disputa a NBA, com o Blue Jays do beisebol e com o time de futebol, o Toronto F.C., que participa da liga americana. O Pan pouco mudou a rotina da cidade. A Vila Pan-Americana, encravada em um local turístico, o Distillery District, um centro comercial descolado, com a cara do Meatpacking nova-iorquino, passa despercebida. A expectativa dos organizadores é que Toronto, tendo realizado o Pan, mesmo opaco, possa depois ter o direito de abrigar também a Olimpíada, como fez o Rio.
Virou uma disputa de carecas por um pente.
                                                                   

Nenhum comentário:

Postar um comentário