sábado, 4 de outubro de 2014

Brasil o país da tocaia



O país da tocaia

MARCELO CARNAVAL/AGÊNCIA O GLOBOVivemos numa nação esfrangalhada e de precária cultura política, em que a difamação substitui a informação no debate público, diz Carlos Guilherme Mota é historiador

O que há a comemorar nesta campanha eleitoral marcada por ódios desmedidos, que tem trazido à tona o que há de pior em nossos precários costumes ditos “republicanos”? Afinal, tempo de perguntar: quem somos nós e o que valemos enquanto povo, como indagava Mário de Andrade? Não éramos “cordiais”?

 Não mencionam que o contexto desta eleição é dos mais turbulentos de nossa história.

 República brasileira se encontra esfrangalhada, que a ideia mesma de Nação vem sendo apagada na voragem da corrupção, da costumeira impunidade, do compadrio, na maré alta do capitalismo estatizado  na maré vazante da incultura generalizada - incluída aqui a incultura política, resultado do esvaziamento progressivo, metódico e programado daquele que deveria ser um repertório para um País moderno, baseado em informação histórico-crítica. Informação, não difamação. Pois “sociedade civil” tornou-se no Brasil um conceito que mal saiu dos manuais para a realidade concreta e foi substituído na prática por termos como patrimonialismo, familismo, populismo, racismo. 

O fato é que se assiste hoje no País a fenômeno semelhante ao que o historiador português Vitorino Magalhães Godinho, recentemente falecido, observou para Portugal há 20 anos: assistimos ao naufrágio da Nação no horizonte do marketing. 
Teremos mudado de 2000 para cá? Teremos melhorado nestes anos todos?
O tom dominante destas eleições é dado pelo ódio. Parafraseando um histriônico e talentoso político envolvido no mensalão, os embates atuais entre os candidatos parecem despertar sentimentos primitivos em boa parcela dos eleitores, como “nunca antes neste País”. Talvez na República Velha (1889-1930) tenha ocorrido algo semelhante, quando os líderes da oligarquia urbana e rural alugavam os músculos dos tristemente famosos “capoeiras” para darem sovas e atacarem em tocaias os adversários na calada da noite. 
Permanece o habitus, embora com tecnologia moderna: a figura nova é a dos “jagunços eletrônicos” de aluguel, que, escondidos no anonimato de bunkers criados para a “guerra suja” e bem pagos, operam sorrateiramente na desconstrução de candidaturas alheias. Suas mentiras e aleivosias infinitamente repetidas vão se tornando “verdades”, e controlam, sob a batuta de marqueteiros, o que antes se denominava “opinião pública” - os mesmos “profissionais” que inventaram as tais classes A, B, C, D e E, apagando o pouco que se aprendeu de sociologia e história em nossas escolas e partidos. Nesse processo, marqueteiros de aluguel substituíram figuras públicas responsáveis, de projeção nacional e internacional, que um dia, neste País, denominamos estadistas. A cultura política brasileira regrediu para um estágio pré-sociológico. Mais um passo atrás e será válida a cruel definição circulada por alguns críticos escarmentados: “A principal contribuição brasileira para a vida política é a tocaia”.

À falta de projetos, recorre-se para rebater críticas à violência verbal, ao encobrimento das falcatruas, à hegemonia dos apaniguados tacanhos, às “razões de Estado” e à fantasia de números falsos para uma população que permanece com baixíssimo índice de escolaridade, formação e informação. 
Não se foge, mudados os traços gerais das instituições, aos padrões de violência dos tempos de D. Maria I, da execução de Tiradentes e dos revolucionários baianos de 1798 (os “Alfaiates”), dos republicanos massacrados em 1817, 1824 (inclusive do Frei Caneca), 1831, 1848 e assim por diante. O sistema de poder indesmontado, reforçado, aperfeiçoou-se e até se sofisticou, mostrando também sua força e violência na guerra contra o Paraguai, quando, ao final, o Exército brasileiro esmagou um triste Exército composto por adolescentes. Depois, a repressão odiosa ao movimento de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro, conforme se lê na obra magistral de Euclides da Cunha Os Sertões, também mostraria como aquela república lidava com a divergência popular. O mesmo se diga quanto à repressão aos movimentos escravistas no século 19 e, em seguida, às insurreições republicanas no século 20 - aplastadas por seus mandatários, inclusive Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, mas sobretudo o pai do populismo que se desdobra até os dias atuais.
Pobre Brasil
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Carlos Guilherme Mota é historiador

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