Quando Itamar Franco
assumiu interinamente a Presidência da República no dia 29 de dezembro de 1992,
imediatamente após a renúncia de Fernando Collor, a inflação acumulada em 12
meses estava em 1.119%. Em 1991, ela havia sido de 472%. Em 1990,
de 1.621%. Com o país mergulhado em uma crise política e com a economia
em frangalhos, não havia a menor perspectiva entre a população de que houvesse
qualquer arrefecimento na inflação de preços.
Também
em decorrência da recessão, a arrecadação tributária não era suficiente para
cobrir as despesas. Como consequência, o governo apenas ordenava ao Banco
Central — que, na época, podia comprar títulos diretamente do Tesouro — que
imprimisse o dinheiro necessário para fazer frente às despesas. O
resultado era um moto-perpétuo inflacionário.
Tal
prática de imprimir dinheiro para fazer frente às despesas governamentais não
cobertas por impostos já era tradicional na economia brasileira; porém, no
início da década de 1990, ela havia chegado ao ápice. Em abril de 1990,
por exemplo, a inflação acumulada em 12 meses foi de 6.821%, recorde até hoje
absoluto em nossa história.
Após
mais de uma década com inflação de preços anual acima dos 100% — a média de
inflação de preços anual entre 1980 e 1992 foi de incríveis 694% —, uma solução
definitiva era urgente.
O problema da hiperinflação e que o PT quer trazer de volta.
Além
de toda a distribuição de renda às avessas que a inflação monetária gera — a
qual foi a responsável pela explosão da disparidade de renda no Brasil na
década de 1980 —, ela também provoca dois problemas adicionais que inviabilizam
qualquer chance de crescimento econômico sustentável:
1)
A inflação gera uma falsificação contábil que faz com que as empresas
sobrestimem seus lucros e, consequentemente, incorram em um involuntário
consumo do capital próprio. Isto ocorre porque, durante a hiperinflação,
a depreciação dos bens de capital continua sendo computada em termos de seus
custos históricos e não em termos de seus reais custos de reposição
(necessariamente mais altos). Esta subestimação da depreciação gera uma
superestimação dos lucros, o que consequentemente fará com que a empresa
consuma um capital que não possui.
2)
Adicionalmente, a hiperinflação impossibilita que os empreendedores sejam
capazes de antecipar — mesmo que aproximadamente — quais serão os preços dos
bens dali a alguns meses. Logo, qualquer investimento de longo prazo se
torna inviável. Os empreendedores passam a se concentrar em projetos de
curto prazo, projetos visando ao futuro mais imediato — por exemplo, no setor
de serviços, nos setores de atacado e varejo, e até mesmo em empreendimentos
que lidam com a especulação de vários de tipos de commodities.
Assim,
quando o processo de estimativa empreendedorial se torna incapaz de calcular
com alguma exatidão quais recursos podem ser empregados lucrativamente em
projetos de longo prazo, a estrutura de produção da economia é radicalmente
"encurtada" e deixa de estar de acordo com as preferências dos
consumidores, tanto presentes quanto futuras. O caos calculacional
impera.
Esta
situação gera um círculo vicioso. A hiperinflação contrai a estrutura de
produção da economia, o que a deixa menos produtiva. Uma economia menos
produtiva significa menos produtos no mercado em relação à demanda. Menos
produtos no mercado em conjunto com um acentuado aumento da oferta monetária
significam preços maiores. Esta contínua inflação monetária exacerba a
hiperinflação de preços, a qual contrai ainda mais a estrutura de produção da
economia, reiniciando o ciclo.
Daí
a baixa qualidade de vida da maioria da população brasileira durante a década
de 1980 e na primeira metade da de 1990.
O início
Estava
claro, portanto, que esta situação não poderia perdurar. Os velhos
paliativos de trocar o nome da moeda e cortar três zeros já haviam se
comprovado um redundante fracasso. E não era necessário ser nenhum gênio
monetário — tampouco seguidor da Escola Austríaca — para entender que uma
hiperinflação contínua e crescente levaria à total destruição do sistema
monetário, destruindo por completo a divisão do trabalho (a qual é
possibilitada justamente pela existência do dinheiro) e retornando a economia
ao estado do escambo.
Vários
planos heterodoxos já haviam sido tentados desde meados da década de
1980: Plano Cruzado (I e II) em 1986; Plano Bresser em 1987; Plano Verão
em 1988/1989; e Plano Collor (I e II) em 1990 e 1991, respectivamente.
Todos envolviam congelamento de preços (alguns deles, cortes de zeros das
moedas). O governo congelava os preços, mas continuava imprimindo
dinheiro impavidamente, o que significa que os geniais burocratas restringiam a
oferta mas estimulavam a demanda. Ao final de cada plano, a inflação de
preços ressurgia com vigor redobrado. E ninguém entendia por quê.
Em
maio de 1993, partindo para o tudo ou nada, Itamar Franco nomeou Fernando
Henrique Cardoso o da herança maldita como dizem os petistas— então Ministro das Relações Exteriores — para o Ministério
da Fazenda. Naquele mês, a inflação de preços acumulada em 12 meses já
estava em 1.348%.
Por
gozar de grande prestígio e por ter reconhecida capacidade intelectual, a
indicação de FHC foi recebida com entusiasmo. Vislumbrava-se pela
primeira vez alguém com genuína capacidade de apresentar um plano econômico que
ao menos reduzisse sensivelmente a inflação.
Embora
sempre houvesse admitido não entender nada de economia, Fernando Henrique ao
menos possuía bons contatos no mundo acadêmico, principalmente junto a um grupo
de economistas da PUC do Rio de Janeiro. E foi a eles que FHC delegou a
tarefa de debelar em definitivo a inflação.
A
equipe de economistas encarregada desta espinhosa função era composta por
Gustavo Franco, Pedro Malan, André Lara Resende, Persio Arida, Edmar Bacha e
Winston Fritsch todos de linha liberal graças a Deus..
O Plano
Embora
repleto de jargões técnicos à primeira vista indecifráveis, o Plano Real na
verdade era como um livro de John Grisham: uma trama aparentemente complexa
encobrindo um enredo totalmente simples. O objetivo da reforma monetária
era lançar uma moeda cujo valor fosse, senão atrelado, pelo menos muito próximo
ao dólar. Na prática, o objetivo era fazer uma dolarização da economia,
mas sem que houvesse uma dolarização de fato, algo que ofenderia nossos brios
nacionalistas-tupinambás..
Como
iremos ver mais abaixo, fazer uma dolarização da economia — isto é,
simplesmente passar a utilizar o dólar como a moeda oficial do país (exatamente como fez o Panamá) — teria sido algo mais eficaz, muito pouco
custoso e, principalmente, mais propício à liberdade do fatigado e espoliado
povo brasileiro. Porém, tanto por questões nacionalistas quanto por
motivos estatais, preferiu-se o caminho mais complexo, que foi a criação e
emissão de (mais uma) nova moeda. Afinal, utilizar uma moeda estrangeira
significa que o governo não mais teria capacidade de imprimir dinheiro para
financiar seus déficits, passando a depender exclusivamente de impostos e
empréstimos para cobrir seus gastos. E, como sabemos, um governo só aceita
vestir uma camisa-de-força se ela tiver um zíper na frente. Logo, a opção
pela criação de (mais) uma moeda foi uma esperta manobra do governo para manter
intacto seu poder de imprimir dinheiro, não obstante todos os estragos que já
haviam sido causados em decorrência da hiperinflação por ele gerada.
O
Plano Real dependia de cinco fatores essenciais e que o PT se esforça para destrui-lo:
1)
Zerar o déficit público — justamente o fator que gerava a emissão de
dinheiro. Para isso, haveria um aumento de cinco pontos percentuais em
todos os impostos federais e privatizações de estatais, principalmente dos
bancos estaduais;
2)
Desindexar a economia — isto é, acabar com as correções automáticas de preços e
salários, que eram reajustados automaticamente de acordo com a inflação passada
(prática essa determinada por lei). Em termos técnicos, isso ficou
conhecido como "acabar com a inércia inflacionária";
3)
Reindexar a economia de acordo com a taxa de câmbio — isto é, fazer com que
preços e salários variassem de acordo com o dólar. Na prática, o dólar se
tornava o novo indexador.
4)
Abrir a economia por meio da redução das tarifas de importação — tudo era
válido para combater qualquer escalada preços (bons tempos);
5)
Aumentar acentuadamente as reservas internacionais — isto é, o governo deveria
comprar dólares continuamente, acumulando-os até o momento da introdução da
nova moeda. Quanto mais dólares o governo tivesse em suas reservas, maior
seria a confiança dos investidores internacionais na seriedade e na robustez do
plano, e menores seriam as chances de um ataque especulativo e de uma fuga de
capitais.
Uma
vez cumpridas estas cinco medidas, a nova moeda nasceria com um valor
praticamente igual ao dólar.
As etapas
No
dia 1º de agosto de 1993, houve a primeira medida, embora de efeito apenas
cosmético: mudou-se, mais uma vez, o nome da moeda, e cortou-se três
zeros. A moeda deixava de se chamar Cruzeiro e passava a se chamar
Cruzeiro Real. A inflação de preços continuava em forte ascensão: seria
de 33% só no mês de agosto e de 1.730% no acumulado de 12 meses.
Esta
ascensão inflacionária decorria do fato de que, além de imprimir dinheiro para
saldar o seu déficit, o governo também imprimia para comprar dólares, algo que
ele continuaria fazendo até o dia da introdução do real.
No
dia 7 de dezembro de 1993, finalmente foi apresentado o plano de estabilização
especificando os cinco itens elencados acima. Veja aqui um curto vídeo de uma reportagem do Jornal Nacional.
A
mudança seguinte — e a mais importante — ocorreria só em 28 de fevereiro de
1994: a introdução da URV, Unidade Real de Valor. (A inflação de
fevereiro foi de 40,3% e a acumulada em 12 meses já estava em 3.025%).
A
URV foi apenas um nome técnico tupiniquim para se evitar a palavra 'dolarização'.
Na prática, a URV nada mais era do que a cotação do dólar do dia
anterior. A taxa de câmbio do final de cada dia era estabelecida como
sendo o valor da URV do dia seguinte. Este valor serviria de indexador
para todos os valores da economia. Assim, os bens e serviços precificados
em Cruzeiro Real deveriam ser divididos pela URV (taxa de câmbio determinada no
dia anterior) para se encontrar os preços em Real.
Veja aqui um exemplo aleatório: no dia 28
de março de 1994, a URV foi determinada em CR$895,03. Isto significa que,
no dia 29 de março, os preços em Cruzeiro Real deveriam ser divididos por
895,03 para se obter o preço em Real. Este processo era repetido
diariamente. Dizia-se, assim, que a economia estava "urvizada".
O
objetivo desta indexação em URV era, paradoxalmente, o de desindexar toda a
economia, apagando aquilo que era chamado de "memória
inflacionária". Todos os contratos e negociações salariais deveriam
ser urvizados. A intenção era fazer com que, no dia da transição do
Cruzeiro Real para o Real (a moeda só entraria em circulação no dia 1º de
julho), os preços fossem exatamente aqueles do dia anterior, de modo a não
gerar sobressaltos e nem confusão. Veja aqui uma curta reportagem do Jornal Nacional, ainda em
junho, ensinando as pessoas a como fazer esta conta básica, já as preparando
para o dia da transição.
Finalmente,
no dia 29 de junho de 1994, uma quarta-feira, a taxa de câmbio encerrou o dia
com o dólar valendo CR$2.750,00. Portanto,
no dia 30 de junho, quinta-feira, todos os valores em Cruzeiro Real deveriam
ser divididos por 2.750 para se obter os valores em Real. Todas as contas
bancárias, todas as aplicações e investimentos foram automaticamente
convertidos em Real. CR$2.750 foi, portanto, a paridade estabelecida
entre o Cruzeiro Real e o Real. Morria o Cruzeiro Real e, na sexta-feira,
dia 1º de julho, nascia o Real, valendo exatamente 1 dólar (pelo menos naquela
sexta-feira). Toda a base monetária foi trocada de acordo com esta
paridade de CR$2.750,00 para cada R$1,00. Quem estivesse em posse de
cédulas de Cruzeiro Real deveria trocá-las nos bancos por cédulas e moedas de
Real.
Em
junho de 1994, a inflação de preços foi de 47,43% e a inflação acumulada em 12
meses foi de 4.922%.
Este
aumento foi majoritariamente para a compra de dólares para se acumular reservas
internacionais.
Transição sem susto
A
transição do Cruzeiro Real para o Real, na sexta-feira, 1º de julho de 1994,
foi sem susto e sem tumultos. Obviamente, em um país acostumado a
confiscos, congelamentos e tabelamentos, houve quem remarcasse os preços de
maneira mais "abusada", justamente tentando se precaver contra estas
possíveis surpresas, algo que obviamente irritou o governo. Porém, fora
estes incidentes localizados, a transição se deu de maneira suave e
tranquila. A inflação de preços, que havia sido de 47,43% em junho,
passou para 6,84% em julho, 1,86% em agosto, 1,53% em setembro, 2,62% em
outubro, 2,81% em novembro e 1,71% em dezembro.
Câmbio fixo?
Um
dos maiores mitos que persistem até hoje é aquele que afirma que o Plano Real
baseou-se um uma "âncora cambial" ou em um "câmbio
fixo". Isso é falso. O câmbio nunca foi fixo, sequer por um
dia. Já no primeiro dia útil após a transição — segunda-feira, 4 de julho
de 1994 — a taxa de câmbio passou a flutuar. A partir daí, seu valor foi
sendo determinado ora pelo mercado ora pela pura intervenção do Banco
Central. O BACEN se limitava a, diariamente, estabelecer um piso e um
teto para a taxa de câmbio — algo tecnicamente chamado de 'banda cambial' —,
mas estes valores aumentavam diariamente (ver gráfico 7). E assim
permaneceu até o "fim" daquilo que se convencionou chamar de
"primeira fase" do Plano Real, no dia 13 de janeiro de 1999.
Por que o Real foi aceito
Adeptos
da teoria austríaca sabem que uma moeda só é imediatamente aceita após o seu
surgimento caso ela já possua um histórico como meio de troca. Se você
criar uma moeda de papel hoje, do nada, é muito provável que ninguém irá
aceitá-la. Da mesma forma, um país que troque o seu sistema monetário,
introduzindo uma nova moeda, pode até ser capaz de fazer — por meio da força,
da coerção e das leis de curso forçado — com que seus cidadãos a utilizem;
porém, dificilmente conseguirá fazer com que investidores estrangeiros confiem
nesta moeda. Tampouco os governos de outros países.
Por
isso, caso o Brasil simplesmente trocasse o nome da sua moeda, é bastante
provável que ela não fosse levada a sério pela comunidade internacional —
principalmente levando-se em conta nosso histórico nada favorável de
libertinagem monetária. Logo, apenas a criação de uma nova moeda não
seria capaz de fazer com que, logo em seus primeiros meses, ela se apreciasse
como o Real se apreciou, indo de uma taxa de câmbio de R$1/US$ para R$0,84/US$.
Portanto, qual foi o segredo?
O
segredo é aquilo que pode ser chamado de "qualidade da moeda".
A qualidade da moeda é determinada ou pelos ativos que a lastreiam ou pelos
ativos pelos quais ela pode ser trocada sob demanda e sem restrição. No
caso do Real, o segredo estava justamente no tamanho das reservas
internacionais em dólares.
Ao
final de julho de 1994, a quantidade de reais em poder do público e em
contas-correntes (ou seja, o M1) era de R$10,687
bilhões. Já a quantidade de reservas internacionais
era de US$43,09 bilhões.
Isso
significa que mesmo se todos os reais em circulação na economia brasileira
fossem convertidos em dólares, ainda sobrariam (muitos) dólares. Em
outras palavras, na eventualidade de uma crise econômica mundial que assustasse
os investidores estrangeiros e os levasse a retirar todos os seus investimentos
do Brasil, eles não teriam por que se preocupar em não conseguir converter
reais em dólares. Havia dólares sobrando. Foi justamente esta
"qualidade do Real" — o fato de estar lastreado abundantemente em
dólares — que garantiu a confiança dos investidores, levando à sua imediata
apreciação logo após o seu surgimento.
E
foi exatamente neste lastro em dólares que o Real manteve boa parte da sua
credibilidade desde seu lançamento. Enquanto as reservas internacionais
fossem maiores os investidores estrangeiros estariam seguros de que
não haveria perigo de não conseguirem converter reais em dólares. Mais
ainda, eles estariam seguros de que o governo não recorreria — como já fizera
várias vezes no passado — às maxidesvalorizarções cambiais para evitar que uma
repentina fuga de dólares gerasse um total esgotamento das reservas
internacionais.
As
reservas em dólares foram toda a base do Plano Real. Daí a importância
das compras de dólares iniciadas ainda no final de 1991.
Porém,
manter estas reservas internacionais não era fácil, principalmente levando-se
em conta que a balança comercial e de serviços (tecnicamente chamada de
'Transações Correntes') tornou-se negativa ( como hoje) a partir de outubro de 1994 (e assim
permaneceu até o fim da "primeira fase" do Plano Real). Dado
que havia esta saída de dólares por meio deste déficit nas transações
correntes ( porque só exporta produtos de baixo valor), o país tinha de manter juros elevados para atrair capital externo (via
investimentos em títulos do governo, no mercado financeiro e em investimentos
diretos; em terminologia contábil, diz-se que esses dólares estão entrando na conta capital e financeira) para mais do que compensar esta saída de dólares.
E
esta foi justamente a "mácula" da primeira fase do Plano Real: a
necessidade de manter juros altos para atrair dólares e, com isso, manter a
confiança da comunidade internacional no Plano. Não bastasse isso, o
governo ainda apresentava um déficit orçamentário de aproximadamente 7% do PIB
(não havia sequer superávit primário). Tamanha necessidade de
financiamento contribuía ainda mais para a elevação dos juros.
Por que o Plano Real acabou
As
coisas vinham aparentemente bem até o segundo semestre de 1998, quando
começaram a degringolar. E no dia 13 de janeiro de 1999, o Plano Real, ao
menos como havia sido originalmente concebido, acabou.
Por
quê?
Já
no segundo semestre de 1997, as reservas caíram US$10 bilhões (de US$62,5 para
US$52,5 bilhões) em decorrência da crise asiática. Consequentemente, o
Banco Central deu uma pancada nos juros, elevando-os de 18,75% para 46%, Isso não apenas estancou a fuga de capitais o que o PT e seus aliados na imprensa não explicam, como
ainda foi eficaz em atrair um volume ainda maior de capital estrangeiro.
Em abril de 1998, o país atingiria um volume até então recorde de reservas
internacionais: US$74,656 bilhões, com um M1 na casa dos R$ 42 bilhões. O
Até
que no dia 17 de agosto de 1998, a coisa voltou a degringolar. A Rússia
entrou em crise financeira, e o governo russo anunciou uma forte desvalorização
do rublo seguida de uma moratória. Adicionalmente, a retomada dos
confrontos na Chechênia e o início de uma nova guerra entre os separatistas e o
governo russo pioraram ainda mais o humor dos investidores estrangeiros, que
ainda estavam abalados pela crise asiática. Houve uma maciça fuga para o
dólar.( O PT e seus mastins na imprensa tambem não explicam)
Em
julho, as reservas internacionais do Brasil estavam em US$70,2 bilhões.
Em novembro, elas já haviam despencado para US$41,2 bilhões.
Por
que as reservas internacionais despencaram assim tão maciçamente? Porque
o Banco Central queria impedir de qualquer maneira a inevitável apreciação do
dólar, ainda que ela fosse apenas momentânea. A explicação é a seguinte:
A
crise asiática no segundo semestre de 1997 havia gerado fortes desvalorizações
no baht tailandês, no novo dólar taiwanês, na rúpia indonésia, no ringgit
malaio, no won sul-coreano, no peso filipino e no dólar cingapuriano. O
dólar de Hong Kong, que opera sob um Currency Board, conseguiu manter sua taxa
de câmbio intacta.
Com
a crise russa, um ano depois, Hong Kong voltou a ser atacada por
especuladores. As autoridades monetárias do país venderam, em duas
semanas, US$15 bilhões de suas reservas de US$96,5 bilhões. A âncora
cambial se manteve. Com isso, o Brasil se tornou a bola da vez.
Especuladores e investidores desconfiavam que o Banco Central não fosse capaz
de manter sua política de venda de dólares a fim de manter o câmbio
relativamente inalterado (na Ásia, apenas Hong Kong havia obtido
sucesso). O crescente endividamento do governo prenunciava calotes.
Temerosos quanto a este calote e quanto a uma iminente desvalorização do real,
investidores estrangeiros começaram a tirar seus dólares do Brasil.
Paralelamente, os especuladores também atacaram.
Durante
todo este período de grande demanda por dólares, houve obviamente uma forte
tendência de valorização da moeda americana, algo que, deixada à lei da oferta
e da demanda, poderia mandar o câmbio para valores "indesejados" pelo
governo. Ato contínuo, para evitar esta desvalorização do real, o Banco
Central vendeu maciçamente os dólares de suas reservas internacionais, justamente
para impedir essa valorização da moeda americana. US$34 bilhões foram
queimados apenas para evitar que o câmbio se alterasse mais acentuadamente
(algo nada bom às vésperas de uma eleição presidencial). Daí a redução de
US$70,2 bilhões para US$36 bilhões de dólares nas reservas internacionais em
menos de seis meses.
Porém,
tal política obviamente era insustentável. Chegaria um momento em que as
reservas internacionais estariam em um ponto crítico. Se a tendência se
mantivesse, elas poderiam ser totalmente aniquiladas. Por outro lado,
caso o BACEN nada tivesse feito, o dólar realmente se valorizaria
acentuadamente. De novo, em época eleição presidencial, isto não seria
tolerável.
Até
que, no dia 13 de janeiro de 1999, com as reservas na metade de onde estavam em
abril de 1998, o Banco Central simplesmente desistiu de vender dólares para
segurar o câmbio. Simplesmente deixou que ele flutuasse.
Veja
o completo histórico cambial do real.
A segunda fase do real
O
Plano Real original, portanto, acabou no dia 13 de janeiro de 1999. Dali
em diante, foi adotado o famoso tripé macroeconômico que conhecemos: câmbio
flutuante, metas de inflação e superávit primário. Nenhum destes
conceitos existia no Plano Real.Que Dilma está destruindo.
Durante
o Plano Real, a menor taxa de inflação de preços obtida foi de 1,65%. Na
segunda fase do real, foi de 3%.hoje esta ja chegando as 10%.
Adicionalmente,
o atual arranjo monetário é mais propício à formação de bolhas e ciclos
econômicos, justamente pela maior liberdade do Banco Central em imprimir
dinheiro e por ele poder manipular os juros sem, ao menos em teoria, ter de
levar em conta qual será o efeito na taxa de câmbio.
O que poderia ter sido feito
O
processo de transição para o real, com a implementação da URV, foi muito bem
feito. Somente o fato de não ter havido congelamentos, confiscos e
tabelamentos já torna o Plano Real merecedor de grandes elogios.
No
entanto, o inevitável desejo de se criar uma nova moeda própria subtrai muito
do brilhantismo do plano. Se, no dia 30 de junho de 1994, todas as
cédulas de Cruzeiro Real, bem como todos os depósitos em conta-corrente, fossem
simplesmente convertidos em dólar de modo que a moeda americana se tornasse a moeda
corrente do Brasil, a situação teria sido bastante diferente.
Para
começar, não teria havido maiores confusões na precificação de bens, serviços e
salários, pois os próprios valores destes nos EUA já nos serviriam de
base. Adicionalmente, não haveria motivos para reclamações sobre taxas de
câmbio sobrevalorizadas. Indústrias que quisessem exportar mais teriam
apenas de reduzir seus preços. Não haveria alternativas
artificiais. Não haveria como o governo como hoje selecionar vencedores e
perdedores. Não haveria como o setor exportador fazer lobby para manipulações
na taxa de câmbio.
Do
ponto de vista da inflação de preços, também certamente estaríamos, até hoje,
em melhor situação. A oferta monetária no Brasil — isto é, a oferta de
dólares — iria variar de acordo com a demanda dos brasileiros por moeda. Não
haveria uma política monetária doméstica: a oferta de dólares iria variar
automaticamente de acordo com as variações no balanço de pagamentos (transações
correntes mais conta capital e financeira). Se houvesse um aumento na
demanda por dólares, isto faria com que empresas e famílias gastassem menos, o
que reduziria a demanda por bens e serviços não monetários. Seus preços
inevitavelmente cairiam, o que tornariam suas exportações mais atraentes no
mercado internacional. Este aumento nas exportações geraria um superávit
no balanço de pagamentos, trazendo mais dólares para o Brasil. Este
aumento na oferta monetária faria com que os preços voltassem a subir,
restaurando o equilíbrio inicial no balanço de pagamentos. E vem a pergunta se houvesse
uma redução na demanda por dólares, de modo que os brasileiros aumentassem seus
gastos, os preços subiriam, as importações ficariam mais atraentes, dólares
seriam enviados para fora, isto aumentaria a demanda por dólares e reduziria os
gastos dos brasileiros, os preços voltariam a cair e o equilíbrio de antes
seria restaurado. É justamente assim que uma economia funciona também sob
um padrão-ouro.
Adicionalmente,
houvéssemos nós adotado o dólar, que é a moeda internacional de troca,
certamente teríamos atraído muito mais investimentos estrangeiros, os quais não
precisariam se preocupar com desvalorizações cambiais. Consequentemente,
os investidores não teriam de planejar fugas repentinas. Ataques
especulativos como os de 1997 e 1998 não teriam ocorrido.
Outro
fator importante é a taxa de juros: operando diretamente com dólares — e não
com uma moeda dependente do dólar —, não haveria necessidade de se elevar
artificialmente os juros apenas para se manter uma elevada reserva de
dólares. Sem estes juros artificialmente elevados — que restringem os
investimentos —, a economia poderia ter se desenvolvido muito mais.
Os
gastos do governo também seriam bem mais contidos. Sem o poder de
imprimir dinheiro para financiar seus gastos, o governo brasileiro só poderia
se financiar via impostos e via empréstimos. O primeiro método é
impopular, e possui um limite natural de crescimento. E caso recorresse
majoritariamente ao segundo método, os juros se tornariam inviáveis, pois o
governo simplesmente não teria como ficar pegando empréstimos ad eternum da
população. Tal esquema de endividamento contínuo só funciona bem quando o
governo detém a impressora de dinheiro, pois assim ele pode imprimir dinheiro
não apenas para pagar parte do serviço de sua dívida, como também para
manipular os juros da sua própria dívida. Sem essa impressora, o governo
é forçado a se manter estritamente dentro de um orçamento. Com gastos
governamentais contidos, a expansão do estado é restringida. A liberdade
da população aumenta.
Sim,
hoje sabemos que o dólar não mais é o que era na década de 1990. Porém,
naquela época, só havia esta opção. Ademais, a adoção do dólar não
implicaria a obrigatoriedade do seu uso; moedas paralelas deveriam também ser
liberadas, sejam elas estatais (como euro, iene, franco suíço, iuane) ou
privadas (que poderiam ser emitidas tendo como lastro metais preciosos, por
exemplo). A conversão para outra moeda qualquer (tanto de outros países
quanto privada) ou para um padrão-ouro seria muito mais fácil neste
ambiente. O exemplo do Panamá, que utiliza o dólar como moeda corrente,
que não possui Banco Central, e que por isso é o único país da América Latina
que nunca passou por uma crise financeira, é uma boa mostra prática desta teoria.
Portanto,
a criação do real, embora bem executada, foi uma pirotecnia
desnecessária. No final, foi apenas um estratagema que permitiu ao estado
manter — agora sem o descontentamento popular gerado pela hiperinflação — sua
principal fonte de financiamento, aquela instituição que garante a ininterrupta
expansão do seu tamanho e do seu poder: o Banco Central.
Perdemos,
em 1994, uma ótima chance de termos nos tornado muito mais livres.
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