sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Brasil um hospício capitalista..



                                                               
Hoje, um trabalhador brasileiro gera perto de 22 000 dólares por ano de riqueza. O americano, cerca de 100 000 dólares. Ou seja, são necessários cinco brasileiros para produzir a mesma riqueza que um americano. A enorme diferença faz sentido. Afinal, os Estados Unidos investem seis vezes mais do que o Brasil.
A produtividade maior também gera uma recompensa: a renda per capita dos americanos é cinco vezes a nossa. Tudo está interligado. Isso não quer dizer, porém, que os brasileiros trabalhem pouco. Ao contrário, dedicamos mais horas ao trabalho do que a população da maioria dos países ricos, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho e da OCDE, o clube das economias desenvolvidas.
Mas horas de trabalho e resultado em termos de produção são coisas diferentes. Veja o exemplo da Alemanha. Entre os mais produtivos trabalhadores da Europa, os alemães enfrentam jornadas de, em média , 38 horas de trabalho semanal — ante 44 horas dos brasileiros — e desfrutam de 40 dias úteis de férias por ano, o que os coloca entre os recordistas europeus em folgas. 
Mesmo com uma jornada menor, o trabalhador alemão é quatro vezes mais produtivo do que o brasileiro. “A questão está na qualidade do trabalho, e não na quantidade”, diz o economista Samuel Pessôa, da consultoria Reliance. 
As lições de Estados Unidos e Alemanha mostram que a produtividade é uma síntese das escolhas das nações ao longo do tempo. Aquelas que investiram na educação, na infraestrutura e nas instituições fortes têm uma economia mais eficiente e, portanto, mais rica. No caso do Brasil, infelizmente, a baixa produtividade é o resultado de muitos fracassos.
O sofrível nível educacional é um deles. Os brasileiros têm, em média, 7,5 anos de escolaridade — ante 12 anos dos americanos. Aqui, apenas 11% da população tem diploma universitário — quase a mesma proporção de 30 anos atrás. E pior: só 35% dos alunos do ensino médio são plenamente alfabetizados — ou seja, têm condições de entender plenamente um manual.
Os indicadores ruins da educação se refletem no campo do trabalho. Nas grandes empresas brasileiras, apenas 13% da força de trabalho tem formação superior — nas pequenas empresas a situação é ainda mais grave, 7%. Isso leva a um desdobramento igualmente grave: falta capacidade de inovação.
Em 2015, o Brasil registrou 22 681 pedidos de patentes — os Estados Unidos, quase meio milhão. Investimos apenas 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, um terço do esforço japonês. Tudo isso explica a dificuldade das empresas brasileiras para atuar num ambiente cada vez mais tecnologicamente competitivo.
A fabricante de software Totvs, de São Paulo, que emprega 5 600 pessoas, acabou de abrir um escritório na cidade americana de Mountain View, no Vale do Silício — onde fica a sede do Google. A Totvs contratou lá 12 funcionários para realizar o desenvolvimento completo de software, algo que tem dificuldade aqui.
“Simplesmente não há gente para fazer isso no Brasil”, diz Laércio Cosentino, presidente da Totvs.­ Para piorar, um funcionário brasileiro leva até 120 dias para ser treinado. Nos Estados Unidos, isso é feito em 30 dias. “O americano já chega à empresa pronto”, diz Cosentino.
O fato é que a contribuição da produtividade ao crescimento econômico tem sido modesta no Brasil. Os surtos recentes de crescimento foram impulsionados basicamente por aumento de demanda. Quando o consumo estava em alta e a produção alcançava o limite, entrava em ação uma mão de obra ociosa que, ao primeiro sinal de desaceleração da economia, era descartada. 
Uma das razões da estagnação da produtividade nas últimas décadas é o baixo investimento. Em 1990, para cada brasileiro empregado havia um estoque de equipamentos de 41 000 dólares. Em 2015, a correlação permanecia praticamente a mesma. No mesmo período, os Estados Unidos elevaram o estoque de equipamento por empregado de 169 000 para 245 000 dólares, ampliando uma diferença de capital investido que já era grande em relação ao Brasil.
A construção civil é um dos setores que ainda apresentam baixa mecanização. As casas e os prédios residenciais brasileiros são erguidos de maneira quase artesanal. “Usar tijolo e argamassa para assentar paredes é um método fora de uso em países desenvolvidos”, diz Alessandro Vedrossi, diretor executivo da construtora Brookfield.
Enquanto no Brasil dois funcionários constroem 17 metros quadrados por dia no sistema de alvenaria, nos Estados Unidos uma dupla de operários levanta de 40 a 50 metros quadrados por dia com material pré-moldado. Isso reduz dramaticamente o tempo de execução. “Se aqui um empreendimento com duas torres de 35 andares exige até 1 500 trabalhadores e leva 42 meses para ficar pronto, os americanos erguem uma obra dessa magnitude em 30 meses e com metade dos funcionários”, diz Vedrossi.
O baixo nível de investimento é resultado também de uma iniciativa privada extremamente pulverizada. Dos cerca de 5 milhões de empresas existentes no Brasil, 90% têm menos de dez funcionários. Nos Estados Unidos, as microempresas representam 54% do total.
Quanto menor o porte da empresa, maior a dificuldade em levantar capital e adquirir tecnologias — pelo menos no Brasil. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que as pequenas empresas precisam de quatro vezes mais capital e trabalho para gerar a mesma quantidade de produção que as grandes companhias. 
“O Brasil é deficiente em todos os fatores importantes para a produtividade, como inovação, educação e infraestrutura”, diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. “Não fazemos nada do que o manual recomenda para sermos mais produtivos. O resultado está dado.”
Um exemplo disso está no arcabouço legal. As cerca de 180 000 leis em vigor no país e a complexidade de lidar com elas no dia a dia impõem uma burocracia infernal na vida das empresas. O grupo mineiro Tracbel, de revenda de tratores, precisa manter 23 pontos de reposição de peças em dez estados e em Brasília. 
Ter tantas filiais não é um indicativo de pujança da empresa, que fatura 900 milhões de reais por ano. É, sim, uma estratégia para se defender de custos extras causados pela insanidade das regras tributárias — e que, ao final, drenam parte de sua produtividade. Uma peça de reposição é onerada em 35% caso ela saia do depósito central da Tracbel, em Sumaré, no interior paulista, com destino ao Rio de Janeiro, por exemplo.
As unidades espalhadas pelo país, com estoques próprios, são o jeito de evitar a mordida fiscal. “Se não fosse pela burocracia, poderíamos ter apenas três almoxarifados”, diz Adriano Merigli, presidente da Tracbel. Manter a atual estrutura custa caro: são gastos 10 milhões de reais por ano com os depósitos.
Há 43 funcionários nas filiais, 18 deles só para cuidar da parte tributária — ou seja, que nada acrescentam de produtivo ao negócio. “Há pouco tempo visitei uma revendedora do mesmo porte que o nosso na Noruega”, diz Merigli. “Lá, três pessoas fazem o mesmo trabalho que as 18 que preciso manter aqui.” 
Qualquer tentativa de ampliar a produtividade no Brasil também esbarra na rigidez das leis trabalhistas — algo que, felizmente, parece estar entrando no rol das preocupações da presidente Dilma Rousseff. Um dos defeitos dessa legislação é tratar de forma linear os diferentes setores da economia.
Criada em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho não contempla, por exemplo, a sazonalidade típica de algumas atividades nem leva em conta os altos e baixos da economia. A fabricante de autopeças Bosch conhece bem as dificuldades de operar num ambiente com pouca flexibilidade.
Em maio do ano passado, antes de o governo reduzir o imposto dos carros para incentivar o consumo, as vendas do setor automotivo estavam em queda e isso refletia diretamente na produção da Bosch. Com menos produção, mas com o mesmo efetivo, a produtividade da empresa alemã no Brasil caiu 20% — situação que se repete sempre que seus clientes diminuem as encomendas.
“Se a lei permitisse a diminuição da jornada com redução salarial, o número de horas trabalhadas por funcionário seria suficiente para atender à demanda e a produtividade se manteria”, diz Besaliel Botelho, presidente da Bosch.
“Um país que pense em se tornar mais produtivo tem de começar pelo fortalecimento de suas instituições”, diz o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Leis confusas e contraditórias são danosas aos investimentos e tornam o processo de fazer negócios mais caro e demorado.
Já regras de funcionamento claras, ancoradas por agências reguladoras e Justiça sólidas, criam um ambiente favorável a empreender, investir e inovar. Desse modo, a melhora das instituições fornece base para o aumento da produtividade, que, por sua vez, leva a uma nação mais rica.
O Brasil dos últimos anos tem avançado muito pouco — e às vezes até recuado — nesse sentido. Em anos recentes, compensamos esse problema incorporando mais gente à produção. Agora, precisamos acelerar o passo da produtividade — e, assim, do nosso desenvolvimento.precisamos deixar de ser um hospício capitalista
                                Tudo que país deveria fazer e não faz.
                                                             

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