Esse capitalismo de quadrilhas, comparsas, gangues, máfias, laços ou companheiros, assume variadas vestimentas ideológicas no Brasil mais um dos sintomas de nosso atraso como civilização."
Ex-presidente do Banco Central (1997-1998) no governo de
Fernando Henrique Cardoso e sócio da Rio Bravo Investimentos, o economista
Gustavo Franco vê a crise econômica como consequência de o governo ter feito
“absolutamente tudo errado” nos últimos anos. Se feito a fundo, o ajuste fiscal
não terá como poupar nem mesmo programas de transferência de renda. “Tem de ter
espírito livre para analisar o todo.” Segundo o economista, tanto o governo
quanto o Congresso se escondem da responsabilidade de fazer escolhas para ter
um Orçamento equilibrado, jogando a responsabilidade sobre o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy. Franco também atribui a crise à corrupção e ao que chama
de “capitalismo de quadrilha”. Para ele, o modelo econômico apoiado em um
Estado gastador se transformou “em veneno”.
Qual foi a origem da crise e como ela contribuiu com
a piora das contas públicas?
Gustavo Franco – Não há uma causa simples. De forma ampla, é
a falência de um modelo de política econômica que prevaleceu a partir de 2008 e
que é mãe de todos esses males. A crise nas contas públicas tem a ver com
corrupção, com o capitalismo de compadrio, que prefiro chamar de capitalismo de
quadrilha. É como se as autoridades quisessem confrontar cada pressuposto de
boa política econômica. Parecem estar tentando nos convencer, o tempo todo, que
o capitalismo não funciona. Obviamente, isso fracassou.
Há desenvolvimentistas que defendem que se aumentem
agora o gasto e o investimento público, a fim de acelerar a economia. Isso
voltaria na forma de arrecadação. Essa receita funcionaria em algum momento?
Funcionaria agora?
Franco – Há situações na economia em que o aumento de gasto
público é um remédio, e outras em que é veneno, como agora. Algumas pessoas
repetem esse samba de uma nota só. É uma tolice. O único remédio que eles sabem
usar foi utilizado em excesso e agora virou tóxico.
É possível consertar o tripé econômico baseado em
metas de inflação, rigor fiscal e câmbio flutuante?
Franco – Dá para consertar. Nada condena o Brasil a dar
errado, mas também nada nos condena a dar certo. O que ocorreu foi que o governo
fez tudo errado a partir de 2008, absolutamente tudo, e estamos pagando o preço
disso.
A inflação deve chegar ao fim de 2015 em 9%, o dobro
do centro da meta. Por que ela resiste num nível tão alto, mesmo com juros elevados
e recessão?
Franco – A perda do poder de compra da moeda é reflexo também
da conjuntura ruim. Se não fosse a explosão na taxa de câmbio, talvez o número
fosse menor. Mas a inflação reflete uma percepção mais ampla sobre o crédito
público, sobre a credibilidade do governo de tomar dinheiro emprestado e de sua
sustentabilidade financeira. É fácil ver que o crédito público só fez piorar.
"Se o barco afundar, vai
faltar boia para todo mundo"
Como é possível aprovar as medidas necessárias ao
ajuste fiscal diante da crise política? A presidente conseguirá retomar esse
protagonismo?
Franco – Acho difícil. Os temas políticos centrais são o
impeachment da presidente da República e a situação do presidente da Câmara. A
política paralisou a capacidade do Brasil de tomar decisões, e isso aumenta
qualquer crise. Nossa baixa capacidade de lidar com a crise é incompatível com
o tamanho do desafio. É um paramédico na calçada tratando de paciente com
doença grave. Evita o óbito, mas não resolve nada. Será uma lástima termos mais
três anos de atraso.
"A Petrobras privatiza, tenta reduzir a dívida, corta
custos. Por que o governo não faz o mesmo?"
Diante do desgaste, o que o ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, pode fazer para contribuir com a saída da crise?
Franco – Pouco. Propostas como a recriação da CPMF revelam
que as pretensões são modestas. Não há espaço para a formulação, nem
coordenação política para oferecer alguma coisa que reduza despesas ou a dívida
pública, ou ainda privatizar. Ele tem papel de racionalidade, em uma equipe que
não tem nenhuma. Seu colega ministro do Planejamento (Nelson Barbosa) é o mesmo
das pedaladas ( fraudes contábeis na esfera pública), de tudo o que deu errado.
Quais as consequências, para a economia, do
antagonismo entre Barbosa e Levy?
Franco – No passado, muitos presidentes tiveram um (ministro)
gastador e outro controlador Um prevalece, mas o outro é uma espécie de consciência
crítica. Há também o fato de Barbosa permanecer para conduzir a defesa das
pedaladas fiscais, no Congresso. A presidente não pode abandonar essa culpa,
então está lá o Barbosa, por uma segunda razão.
Antonio Delfim Netto: “A Dilma tem de montar seu
governo de novo”
A fritura de Levy pelo PT piora a crise?
Franco – O PT frita até seus próprios líderes. Neste momento
em que é preciso uma autocrítica do que deu errado – a conversa de política
anticíclica e de nova matriz econômica, que é o modelo econômico deles –, eles se
contorcem para fazer com que a culpa seja do Levy, que acabou de chegar.
Se o Levy deixar o governo, o que o senhor acha que
deve acontecer?
Franco – É grande o risco de outras agências de risco tirarem
o grau de investimento do Brasil, assim como fez a Standard & Poor’s.
Faltou percepção política à presidente de que o Levy tinha de crescer e ocupar
novos espaços no governo.
E se o Barbosa suceder a Levy?
Franco – Se o líder da política econômica for de perfil
gastador, sem um ortodoxo na equipe, voltaremos à era Mantega. A queda do
ministro e sua substituição por alguém de perfil diferente vai repercutir
negativamente nos mercados.
Joaquim Levy, o ministro rebaixado
Se reformas avançarem no Congresso e o ajuste for
concluído, em quanto tempo se retoma o crescimento?
Franco – Desde que o Brasil venceu a hiperinflação, há 20
anos, estamos nessa conversa. A urgência de combatê-la trouxe impulso político
para importantes reformas na economia. Quando Lula assumiu ( com o apoio de um eleitora desinformado e inconsequente), foi decretado o fim
das reformas. Foi um erro, porque, tal como nas empresas, os países precisam de
constante esforço de inovação. Dá certo cansaço olhar o tempo que se perdeu.
Talvez a crise seja o impulso que faltava. Mas não tem botão a apertar.
Precisamos de um plano completo de coisas a reformar, com problemas difíceis
que precisam de soluções difíceis. É o que falta. Já que vai ter uma Emenda
Constitucional para a CPMF, por que não é possível fazer outra coisa do lado da
despesa? Não consigo entender como, num Orçamento de R$ 1,2 trilhão, não se
consiga cortar R$ 50 bilhões.
É possível ajustar as contas sem rever os gastos
sociais e programas de transferência?
Franco – É preciso ter espírito livre para olhar tudo. Nada é
incortável. Se o país não encarar isso de frente, vamos continuar num ambiente
de paralisia, em que a inflação ou a dívida vão explodir. Chegamos à situação
em que todos os itens do Orçamento são legítimos, só que isso soma algo acima
da receita. Vai pegar programas sociais? Seguramente. Quando não se tem
dinheiro nem capacidade de endividamento, tem de cortar. A sociedade deve se
organizar para ter Orçamento equilibrado, transparente. A democracia é tão mais
sólida economicamente quanto mais avançada forem suas instituições
orçamentárias, inclusive para escolher prioridades.
>> A conta vai sobrar para você de novo
Qual é a participação da crise da Petrobras nos
problemas econômicos do país?
Franco – Aquilo é uma miniatura do Brasil com todos os
vícios: arrogância, omissão, irresponsabilidade, corrupção, megalomania. O
endividamento cresceu, a perda de valor foi de US$ 200 bilhões. Cada centavo
disso é culpa de Dilma e Lula. A empresa confessou em balanço auditado ter
pagado R$ 6 bilhões em propina. Isso não está desligado do modus operandi da
política econômica. Ela também está mostrando o caminho, fazendo privatização,
tentando reduzir sua dívida, cortando custo. Por que o governo não faz o mesmo?
O senhor, como gestor de ativos, vê boas
oportunidades de investimento no Brasil?
Franco – Existe um acervo de possibilidades em
infraestrutura. O governo afasta o investidor ao impor restrições regulatórias
ou regras hostis à rentabilidade, como se fosse proibido ganhar dinheiro. É
preciso rever essa postura.
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