O espetáculo de vulgaridade e ignorância oferecido no vídeo não tem similares mundo afora. Só aqui graças a TV Globo.
Há muito tempo o Brasil não
produz escritores como Guimarães Rosa ou Gilberto Freyre. Há muito tempo o
Brasil não produz pintores como Candido Portinari. Há muito tempo o Brasil não
produz historiadores como Raymundo Faoro. Há muito tempo o Brasil não produz
polivalentes cultores da ironia como Nelson Rodrigues. Há muito tempo o Brasil
não produz jornalistas como Claudio Abramo, e mesmo repórteres como Rubem Braga
e Joel Silveira. Há muito tempo...
Os derradeiros, notáveis
intérpretes da cultura brasileira já passaram dos 60 anos, quando não dos 70,
como Alfredo Bosi ou Ariano Suassuna ou Paulo Mendes da Rocha. Sobra no mais um
deserto de oásis raros e até inesperados. Como o filme O Som ao Redor, de
Kleber Mendonça, que foi lançado em 2013 para os nossos encantos e surpresa.
E houve, decerto, algo pior, o
esforço concentrado dos senhores da casa-grande no sentido de manter a maioria
no limbo, caso não fosse possível segurá-la debaixo do tacão. Neste nosso limbo
terrestre a ignorância é comum a todos, mas, obviamente, o poder pertence a
poucos, certos de que lhes cabe por direito divino. Indispensável à tarefa, a
contribuição do mais afiado instrumento à disposição, a mídia nativa. Não é que
não tenha servido ao poder desde sempre. No entanto, nas últimas décadas
cumpriu seu papel destrutivo com truculência nunca dantes navegada.
Falemos, contudo, de amenidades
do vídeo. De saída, para encaminhar a conversa. Falemos do Big Brother Brasil,
das lutas do MMA e do UFC, dos programas de auditório, de toda uma produção
destinada a educar o povo brasileiro, sem falar das telenovelas, de hábito
empenhadas em mostrar uma sociedade inexistente, integrada por seres sem
sombra. Deste ponto de vista, a Globo tem sido de uma eficácia insuperável.
O espetáculo de vulgaridade e
ignorância oferecido no vídeo não tem similares mundo afora, enquanto eu me
colho a recordar os programas de rádio que ouvia, adolescente, graciosas,
adoráveis peças de museu como a PRK30, ou anos verdolengos habitados pelos
magistrais shows de Chico Anysio. Cito exemplos, mas há outros. Creio que a
Globo ocupe a vanguarda desta operação de imbecilização coletiva, de espectro
infindo, na sua capacidade de incluir a todos, do primeiro ao último andar da
escada social.
O trabalho da imprensa é mais
sutil, pontiagudo como o buril do ourives. Visa à minoria, além dos donos do
poder -real, que, além do mais, ditam o pensamento único, fixam-lhe os limites
e determinam suas formas de expressão. O alvo é a chamada classe média alta, os
aspirantes, a segunda turma da classe A, o creme que não chegou ao creme do
creme. E classe B também.
Aqui está a bucha do canhão
midiático. Em geral, fiéis da casa-grande encarada como meta de chegada
radiosa, mesmo quando ancorada, em termos paulistanos, às margens do Rio
Pinheiros, o formidável esgoto ao ar livre. E, em geral, inabilitados ao
exercício do espírito crítico. Quem ainda o pratica, passa de espanto a
espanto, e o maior, se admissível a classificação, é que os próprios
editorialistas, colunistas, articulistas etc. etc. acabem por acreditar nos
enredos ficcionais tecidos por eles próprios, quando não nas mentiras assacadas
com heroica impavidez.
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