Não avançamos na educação por má governança no setor público
e incertezas regulatórias
O espantalho da crítica heterodoxa
Há países ricos que possuem sistemas de bem-estar social
generosos, como os nórdicos; há países ricos com sistemas de bem-estar pouco
generosos, como os EUA. Mas o que definitivamente não existe são países ricos
com políticas macro e microeconômicas de viés heterodoxo com a extensão adotada
no Brasil nos últimos 13 anos.
A receita dos que conseguiram saltar a difícil barreira do
crescimento sustentável – conhecida como armadilha da renda média – é
conhecida: plena liberdade política e econômica para amplos setores da
sociedade, rigor na condução da área fiscal, estabilidade monetária e
financeira, regras e regulamentação estáveis e, finalmente, investimento
público eficiente em capital humano (saúde e educação) e infraestrutura.
Há saudável controvérsia sobre o efetivo papel desempenhado
por políticas desenvolvimentistas em alguns casos de sucesso, como, por
exemplo, as políticas industriais adotadas pelos Tigres Asiáticos, há cerca de
três décadas. De um lado alega-se que essas políticas foram cruciais para que
eles desenvolvessem parques industriais importantes. De outro, argumenta-se que
elas foram irrelevantes, e o que de fato os teria levado aos atuais patamares
de renda por habitante foram os investimentos maciços em capital humano. A
verdade, possivelmente, está no meio do caminho. Contudo, frise-se que esses
casos de sucesso são contrabalançados por um número muito maior de casos de
fracasso, como na maioria dos experimentos levados a cabo na América Latina,
por exemplo. Por estas bandas, fizemos bastante política industrial, mas não
conseguimos os mesmos resultados. Não avançamos na educação por má governança
no setor público e incertezas regulatórias.
Políticas de proteção existem, de fato, em muitos países, mas
o que nos soa mais significativo é que os detalhes das políticas
desenvolvimentistas mais bem sucedidas apresentam diferenças marcantes com a
política industrial “à brasileira”, como, por exemplo, a fixação de metas
claras de desempenho e a natureza temporária da proteção. O Brasil recente
destoa pela extensão da intervenção pública, pela sua longevidade e pela falta
de transparência dos benefícios concedidos sem avaliação de resultados.
Voltando à nossa lista de condições necessárias ao
desenvolvimento, existe liberdade política no Brasil, mas a nossa democracia
ainda é carente de controles sobre a concessão pública de benefícios a grupos
escolhidos, além de sujeita a recorrentes casos de corrupção. Tudo isso, claro,
afetando a produtividade final da economia. Adicionalmente, são enormes as
barreiras burocráticas à entrada nos mercados de bens por parte de empresas
novas, fato que, em conjunto com a política de escolha de vencedores via
crédito público, restringe o que chamamos de liberdades econômicas.
O rigor fiscal, duramente conquistado após 1994, foi
abandonado. O superávit primário real nesse ano, por exemplo, está para perto
de 0% do PIB, ou menos. Além disso, os mecanismos criativos reduziram a
transparência e a credibilidade da política fiscal, marcos da LRF de 1999. Por
sua vez, a condução equivocada da política monetária, reduzindo o juro na base
do voluntarismo, resultou em inflação resiliente e em desancoragem das
expectativas.
Seguindo na lista: o aumento das restrições ao comércio
exterior, por meio de barreiras tarifárias e não tarifárias, isolou ainda mais
a economia brasileira do comércio internacional. E as intervenções
discricionárias, como no caso da energia, fragilizaram empresas, prejudicaram a
produtividade e comprometeram o ambiente de negócios. Por fim, não conseguimos
avançar na educação e na infraestrutura por má governança no setor público e
incertezas regulatórias.
O resumo é que a produtividade estagnou, o que compromete
nosso crescimento econômico sustentado, e a nova matriz macroeconômica resultou
apenas em um legado de inflação alta num mundo de inflação baixa, além de
graves desequilíbrios fiscais a serem enfrentados nos próximos anos.
Como reagem alguns dos economistas heterodoxos ( tradução aqueles que acreditam no estado baba), direta ou
indiretamente ligados ao governo, a essa crítica? Criando um argumento-espantalho.
A invencionice vai na seguinte linha: os economistas que pregam rigor fiscal e
reformas querem na verdade desfazer as conquistas sociais, estão contra a
redução de desigualdade, alcançada via programas governamentais como o
Bolsa-Família.
Não é verdade, é cortina de fumaça. Os liberais não defendem o fim de
programas sociais eficientes para redução da pobreza, acreditamos em um “Estado Profissional”, Essa tentativa de desqualificação da divergência é instrumento utilizado
pelo baixo clero do debate intelectual. Inventam-se pretensos argumentos para
rejeitar outros pontos levantados pelos críticos. Inventa-se, enfim, um
espantalho.
Defendemos políticas sociais focalizadas nos mais necessitados;
a maior qualidade da política pública em educação e saúde por meio da melhora
da gestão e do reconhecimento meritocrático, permitindo melhores resultados com
os recursos já disponíveis; a volta do rigor fiscal e do combate à inflação;
transparência dos subsídios e proteção setoriais, que preferencialmente
deveriam ser horizontais e submetidos a constante avaliação de resultados, para
que não joguemos mais dinheiro público em empresas ineficientes; maior abertura
econômica, que favoreça o consumidor brasileiro e diversas empresas que usam
insumos importados, aumentando nossa inserção nas cadeias produtivas globais e,
portanto, alavancando a produtividade.
Ser crítico dos equívocos da política econômica dos últimos
anos não tem nada a ver com defender o fim das conquistas sociais alcançadas
desde 1994.
Argumentar nessa direção é fugir do debate sobre a condução
da economia nos últimos anos. O espantalho pode ser eficaz para afastar os
corvos. O debate, porém, merece mais. O país também.
Diagnóstico Perfeito
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