terça-feira, 27 de junho de 2017

Terceirização uma necessidade , para evolução do mercado de trabalho no Brasil.

                                            


O tema da semana foi o PL 4330/04, aquele que regulamenta a terceirização. Não sou da área de economia do trabalho, mas por estudar crescimento econômico acabo acompanhando a literatura de economia do trabalho. A bem da verdade devo confessar que não foi na literatura de economia do trabalho que me apoiei para afirmar que o PL 4330/04 é bom para a economia brasileira, minha afirmação tem por base a literatura de crescimento econômico. Não são poucos os pesquisadores que dedicam tempo a estudar crescimento econômico do Brasil que concordam que o excesso de burocracia e restrições legais são um dos maiores entraves para que o Brasil volte a crescer. Ao oferecer novas alternativas de arranjos trabalhistas o PL 4330/04 ajuda a reduzir restrições a acordos voluntários em um mercado crítico como o mercado de trabalho.


A princípio não levei em conta questões jurídicas ou se a terceirização era instrumento eficiente de gestão o que tem implicações no quão útil a lei será. Não levei em conta questões jurídicas porque é quase impossível para um leigo (ou mesmo para um advogado que não milite em causas trabalhistas) avaliar o impacto jurídico de medidas que afetam as relações de trabalho no Brasil. É um emaranhado tão grande de leis e exceções, de jurisprudências de brechas legais e coisas do tipo que entendi por bem que seria melhor não entrar na questão, afinal estava discutindo o assunto na internet e não escrevendo um artigo científico ou mesmo um relatório técnico sobre impactos da terceirização. Não entrei em questões de gestão por motivos diferentes (não sou administrador, mas não teria dificuldades em conversar sobre o tema com alguns dos vários administradores que lecionam no departamento de administração da UnB), se a terceirização não for boa para a firma entendo que a firma não será afetada pelo PL 4330/04, afinal o PL não obriga ninguém a terceirizar, apenas oferece a opção.

Como assunto cresceu mais do que imaginei acabei por procurar opiniões de quem entende de direito e de quem entende de administração. Encontrei várias, sugiro ao leitor uma entrevista com o advogado Sérgio Schwartsman (link aqui) e um post no FB do administrador de empresas Stephen Kanitz com a discussão que segue o post (link aqui). Caso o leitor queira outras opiniões é só buscar na internet, existem várias. Mas não é para defender a terceirização que estou fazendo este post, nem mesmo é para criticar. Faço o post para chamar atenção da pobreza do caso contra a terceirização.

O número mágico que está na internet é que terceirizados ganham 25% menos do que trabalhadores que são contratados diretamente pela empresa. Tal número pode ser encontrado em várias reportagens na imprensa, em posts de blogs e no FB e em vídeos que circulam pela internet. Por exemplo, o site UOL afirma “Salário médio dos terceirizados em 2013: R$ 1.776,78 (25% menor que os R$ 2.361,15 dos contratados diretamente)” (link aqui). A Carta Capital diz: “O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).” (link aqui). O blog Viomundo afirma: “Segundo o documento, em dezembro de 2013, os trabalhadores terceirizados recebiam 24,7% a menos do que os contratados diretos...” (link aqui). O Estadão cita um número diferente (talvez por algum ajuste nas horas) mas aponta a CUT como fonte na chamada que anuncia: “Terceirizados ganham 27,1% a menos que contratados diretamente, diz CUT.” (link aqui).

Provocado em uma conversa no FB decidi procurar o estudo da CUT e descobrir de onde veio o número. O estudo se chama “Terceirização de Desenvolvimento: uma conta que não fecha” (link aqui). A tabela com o número que está sendo usado para criticar o PL 4330/04 é a Tabela 2 que está na página 14 e que eu reproduzo abaixo:




Reparem na fragilidade do número. De início me preocupou que o estudo não controlasse por atividade desempenhada pelo trabalhador. Como atualmente a terceirização só é permitida para atividades meio e é razoável supor que atividades meio ganhem menos que atividades fins independente da forma de contrato eu desconfiei do número. Imagine um hospital, o leitor ficará surpreso em saber que um médico (atividade fim) ganha mais que um servente (atividade meio)? O leitor ficará surpreso em saber que em uma universidade os professores (atividade fim) ganham mais que o porteiro (atividade meio)? Imagino que não. Pois dizer que terceirizados ganham menos que contratados direitos sem controlar por atividade exercida é praticamente o mesmo que dizer que médicos ganham mais que serventes ou professores ganham mais que porteiros. Mas o estudo é ainda mais frágil. Repare que a tabela fala de “Setores Tipicamente terceirizados” e “Setores Tipicamente contratantes”. O que significa isto? Significa que sequer o estudo da CUT está considerando o salário dos trabalhadores terceirizados, o estudo considera o salário dos setores que são classificados como setores tipicamente setorizados.

Grosso modo o que o estudo da CUT está dizendo é que em setores onde terceirização é comum o salário é menor. Quais são estes setores? Procurei um anexo onde estivessem listados quais são os setores tipicamente terceirizados, mas não encontrei. Porém, considerando que a lei apenas permite a terceirização de atividades meio, é bem plausível supor que tais setores são os que atividade meio tem mais peso. Desta forma o que estudo está dizendo é que setores onde atividades meio sujeitas à terceirização são preponderantes pagam salários menores. Tais setores, segundo os números da CUT e do DIEESE, equivalem a 26,8% dos setores (pg.13). Não é quase como dizer que porteiros ganham menos que médicos, é dizer que porteiros ganham menos que médicos.

Se ainda resta alguma dúvida da fragilidade do estudo considere a Tabela 7 (pg.19) nela é dito que 22,7% dos profissionais contratados diretamente tem nível superior, dos terceirizados apenas 8,7% tem nível superior. Não ficaria surpreso se a diferença na educação explicasse boa parte na diferença de salário, o estudo da CUT sugere que não e justifica a alegação dizendo que: “Se observarmos apenas o ensino médio completo, o número de trabalhadores em setores tipicamente terceirizados e tipicamente contratantes é praticamente o mesmo: 46%.”. Ao focar no ensino médio e “esquecer” a diferença no pessoal com superior completo o estudo da CUT parece ignorar que a distribuição de renda no Brasil não é exatamente igualitária e, por isso, é preciso considerar o que acontece na ponta superior. Uma leitura dura do texto da CUT diria que o texto afirma que serventes ganham menos e tem menos capital humano do que médicos porque serventes são terceirizados e médicos não. A mesma leitura diria que a CUT afirma que vigilantes estão mais sujeitos a acidentes de trabalho do que professores porque são terceirizados. Parece absurdo? É absurdo. Mas é este estudo que jornais e blogs estão usando para criticar a terceirização. Peguei pesado com o estudo? Peguei, mas dado o uso que está sendo feito é necessário pegar pesado, ademais, a leitura dura que fiz é mais próxima da realidade que a leitura que estão apresentando do estudo da CUT.

A bem da verdade o texto da CUT trata das atividades no Capítulo 3. Terei sido precipitado ao criticar o estudo? Deveria minha crítica ter sido dirigida apenas a jornalistas e blogueiros que escreveram seus textos antes de chegar ao terceiro capítulo? Não. A análise por atividades não trata da atividade executada pelo empregado como deveria tratar, a análise diz respeito a atividade das firmas. O primeiro exemplo é da Volkswagen. Trata de um caso onde existem terceirizados de primeira linha (moduladores) e terceirizados de segunda linha (vigilantes, alimentação, construção civil, transporte de cargas, etc.). O que diz o estudo da CUT:

“O modelo de salários e benefícios dos cerca de 3.000 trabalhadores da Volkswagen e modulistas garante certa homogeneidade. Todos são enquadrados como metalúrgicos, portanto, representados pelo mesmo Sindicato; têm os mesmos Acordos (inclusive Participação nos Lucros e Resultados, PLR) e Convenção Coletiva; têm uma mesma Comissão de Fábrica eleita por todos e que negocia as mesmas condições para todos; e têm uma única estrutura de cargos e salários negociada com o Sindicato e Comissão de Fábrica - no entanto, evidentemente as funções e salários são diferenciados, particularmente entre trabalhadores na Volkswagen e nas modulistas.
Já os demais 1.500 trabalhadores terceiros são enquadrados em várias outras categorias (vigilantes, alimentação, construção civil, transporte de cargas, etc.), cada um com “seu” sindicato respectivo, seus acordos e convenções coletivas, bastante inferiores aos do Consórcio Modular em que estão inseridos.”

Perceberam? O próprio estudo reconhece que existem terceirizados que possuem melhores condições de trabalho que outros. O que os diferenciam? No texto aprendemos que são diferenciados por sindicatos e por atividades que desempenham. Qual das duas diferenças deve ser mais importante para explicar a diferença de salários? Está em dúvida? Pense comigo, médicos ganham mais que serventes por estarem em sindicatos diferentes ou pelas funções que exercem? Bingo!

A coisa não melhora até aparecer o caso da Usiminas na Tabela 12 (pg.46). Segundo a tabela, que ao contrário das outras não tem fonte, empregados terceirizados em função de limpeza na Usiminas ganham 66% do que ganham os contratados diretamente no mesmo setor. É praticamente o único dado relevante para a crítica ao PL 4330/04 que o estudo apresenta, finalmente é considerada a mesma atividade na mesma empresa. Porém como saber se não é uma característica da Usiminas? A Usiminas era uma empresa estatal que foi privatizada em 1991, é possível que o pessoal de limpeza que ganhe R$ 1.200,00 contra os R$ 800,00 dos terceirizados sejam remanescentes da época em que a empresa era estatal. Mais que possível eu diria que é provável. Por que uma empresa que terceiriza um setor manteria empregados contratados no setor? Talvez por exercerem cargos de chefia (o que por si explica a diferença) ou talvez por contratos que impedem ou tornam muito cara a demissão. Infelizmente os autores do estudo da CUT não deram muitas informações sobre o exemplo e não é possível avaliar o que está acontecendo. A parte final do capítulo dedicado a atividades é dedicada ao setor público. Creio que é o setor onde os argumentos de perdas de direitos e pioras nas condições de trabalho sejam mais adequados, é bem provável que o setor público, inclusive administrações do PT e PCdoB (partidos que votaram contra o PL 4330/04) usem da lei para driblar o regime jurídico que rege os servidores públicos. Não creio que alguém acredite que a ganancia dos empresários, a guerra de classes ou o capitalismo selvagem possam ser culpados pelo uso que gestores públicos farão da nova lei.

Se alguém ainda tem dúvidas da fragilidade do estudo da CUT que olhe as referências bibliográficas. Toda a vasta literatura de economia do trabalho no Brasil e no exterior é solenemente ignorada. Se estou ofendido por a CUT ter ignorado os economistas? Não. Estou incomodado que a CUT não tenha consultado nenhum artigo publicado fora do Brasil e também não tenha consultado estudos publicados em periódicos científicos no Brasil. O projeto ficou onze anos na fila para ser votado, a CUT é uma central sindical grande e rica, que em todo este tempo a CUT não tenha preparado um estudo robusto sobre o tema mostra o pouco interesse da central sindical em fomentar um debate rico a respeito de um tema que afeta diretamente vários trabalhadores. Fica difícil espantar o pensamento que a CUT quer mesmo é fazer barulho para evitar a mudança no jogo de poder e na arrecadação dos sindicatos que o PL 4330/04 trará caso seja transformado em lei.

                                             

Nenhum comentário:

Postar um comentário