“Um retrato do presente”
O documento começa fazendo uma boa análise da conjuntura
atual, com críticas necessárias que não merecem maiores digressões para o
habitual leitor de trabalhos teóricos liberais, já que as mesmas críticas já foram
estendidas e aprofundadas em diversos textos prévios.
A se destacar o último parágrafo da introdução do documento:
“As modernas economias de mercado precisam de um Estado ativo e também moderno.
Quem nos diz isto não é apenas a teoria econômica, mas a experiência histórica
dos países bem-sucedidos. Só o Estado pode criar e manter em funcionamento as
instituições do Estado de Direito e da economia de mercado, e só ele também
pode suprir os bens e serviços cujos benefícios sociais superam os benefícios
privados. Portanto, as discussões sobre o tamanho e o escopo do Estado quase
sempre se movem no vazio, porque a questão central é que o Estado deve ser
funcional, qualquer que seja o seu tamanho. Para ser funcional ele deve
distribuir os incentivos corretos para a iniciativa privada e administrar de
modo racional e equilibrado os conflitos distributivos que proliferam no
interior de qualquer sociedade. Ele faz ambas as coisas através dos tributos,
dos gastos públicos e das regras que emite.”
O argumento base desse parágrafo é bastante preocupante.
Embora a economia efetivamente precise de segurança jurídica, regras claras e
instituições sólidas, a experiência histórica nos mostra que o único meio de
atingirmos tal fim é sim através de um estado enxuto. Esse debate é fundamental
para que possamos entender quais são as funções e competências que o Estado
brasileiro deve ter. Estado moderno é sinônimo de Estado enxuto. Um Estado
Funcional gigantesco é um pesadelo pra seus governados.
Ainda de um ponto de vista histórico, o mais sufocante
Estado socialista que já existiu foi o da Alemanha Oriental, que combinou o
autoritarismo comunista com a eficiência alemã. O resultado foi uma economia
asfixiada, paupérrima e sem o alívio que o mercado negro dava à população de
outros países socialistas, como a própria União Soviética.
Outra falácia está na ideia que somente o Estado pode suprir
bens e serviços cujos benefícios sociais superam os benefícios privados.
Normalmente o termo “social” pode ser facilmente substituído pelo termo
“governamental” sem maiores problemas. Qualquer benefício que seja
verdadeiramente social, e não apenas governamental, tem reflexo imediato nos
indivíduos que compõem a sociedade. Um argumento na linha apresentada apenas
justifica um aumento dos benefícios governamentais e dos interesses dos grupos
políticos que desfrutam dele.
Esse foi, decididamente, um péssimo fechamento para a
introdução do documento, pois demonstra que, ideologicamente, o Governo PMDB
não é comprometido com a liberdade econômica, e sim com o pragmatismo de não
ver a galinha dos ovos de ouro que sustenta o Estado morrer.
“A questão fiscal”
Esse é o melhor momento do documento do PMDB. Uma análise da
questão fiscal mostra que os gastos públicos estão descontrolados, gerando
inflação, aumento da dívida, quebra da poupança e redução de investimentos,
apontando que um ajuste fiscal será necessário e cobrará sacrifício da
sociedade, preferencialmente sem aumento de impostos. A inflexibilidade
orçamentária em virtude das leis também é uma boa crítica.
“Retorno a um orçamento verdadeiro”
Aqui o plano Temer começa a delinear soluções, pois até o
momento havia se preocupado apenas com críticas.
E o primeiro passo é no orçamento. O PMDB critica sabiamente
o orçamento extremamente rígido por meio de vinculações constitucionais. Ao
mesmo tempo, critica a bagunça no contingenciamento de recursos por parte do
Poder Executivo, o que demonstra falta de confiança no Poder Legislativo e o
avanço de um poder sobre outro. Medidas que realmente devem ser feitas.
O orçamento deve ser desvinculado, para que a proposta do
Executivo para o Legislativo seja mais eficiente e reflita as reais
necessidades do Governo, e o orçamento aprovado deve ser impositivo, ou seja,
uma vez o Legislativo tendo aprovado, não cabe ao Executivo contingenciar despesas,
fazendo da execução orçamentária moeda de troca política.
Outras ideias são: o orçamento com base zero, que significa
que todo ano os programas sociais devem ser reavaliados, sem obrigatoriedade de
continuação; aumento da rigidez no limite orçamentário, impedindo a expansão
dos gastos por conveniência; e a ceriação de uma Autoridade Orçamentária
indicada pelo Legislativo e Executivo, para acompanhar com maior eficiência a
execução dos gastos públicos.
Todas são ótimas ideias.
Continuando
Previdência e Demografia”
O plano de Temer critica a previdência social, ao afirmar
que cada vez mais a população está ficando mais idosa com menos crianças,
tornando o sistema insustentável. Fala no déficit anual de 83 bilhões que tende
a aumentar, e que o Brasil já gasta percentualmente, em relação ao PIB, o dobro
do que gastam EUA, Japão e China.
Como solução, traz um aumento da idade mínima de
aposentadoria, fim da indexação da base da aposentadoria ao salário mínimo e
fim do reajuste geral ao aumento do PIB.
A proposta previdenciária do PMDB, embora mais realista que
o sistema atual, não vai na ferida do problema, que é o sistema previdenciário
brasileiro ser de repartição, ao invés de capitalização.
O regime de repartição, adotado pelo INSS, tende a ser
insolvente. Funciona como um pacto de gerações: a geração ativa banca as
aposentadorias dos inativos, na expectativa de ser bancada, quando envelhecer,
pelas novas gerações. Esse regime acaba com a poupança nacional, pois há um
consumo contínuo de recursos, faz da população idosa um fardo para os jovens e,
no longo prazo, em países com aumento da expectativa de vida, gera a quebra do
sistema em virtude de excesso de beneficiários para poucos contribuintes. E
esse círculo vicioso não tem fim, pois quanto mais velha a população fica, mais
o governo precisará aumentar a fórmula para a aposentadoria. É exatamente o que
o PMDB propõe fazer.
Já o regime de capitalização, utilizado no Chile e
marginalmente no Brasil, através de contratos de previdência privada, é o único
com absoluta garantia de solvência. Ele funciona como uma poupança forçada,
cujos rendimentos são acumulados ao longo da vida de trabalho do segurado para,
no futuro, serem utilizados no pagamento da aposentadoria. Esse sistema também
traz externalidades positivas, como o aumento da poupança nacional, gerando
aumento dos investimentos e da produtividade nacional, e queda na taxa de
juros. Esse é o modelo proposto pelos liberais.
Ou se muda o regime, ou daqui a pouco outro grupo político
precisará fazer novo ajuste na repartição, aumentando cada vez mais a idade
mínima de aposentadoria, reduzindo pensões e aposentadorias, enquanto cria cada
vez mais rombos nas contas públicas.
“Juros e Dívida Pública”
Aqui o programa de Temer toma feições radicalmente liberais,
por incrível que pareça. De maneira bastante madura, o texto explica que a taxa
de juros no Brasil é muito superior a dos demais países desenvolvidos e em
desenvolvimento em virtude do caos fiscal e da desenfreada expansão monetária,
causando taxas de poupança ridiculamente baixas que obriga o Governo a captar
recursos com elevado custo financeiro.
O programa fala ainda que derrubar unilateralmente essa taxa
de juros sem prévia reforma fiscal e monetária, apenas agravaria o problema,
destruindo as contas públicas e a moeda nacional. Uma salva de palmas dos liberais a esse raciocínio.
Como solução, reforma fiscal com metas de curto, médio e
longo prazo, com alto percentual de superávit primário. Não podemos esperar que
Michel Temer seja um Campos Salles, que pegou um país quebrado e reformou a
gestão fiscal de forma a produzir superávits nominais em três anos, mas já é
alguma coisa em um cenário de terra arrasada.
“Uma agenda para o desenvolvimento”
O documento termina com várias propostas para o
desenvolvimento do Brasil. Serão analisadas uma a uma:
a) construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro,
com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público;
Embora sem dizer exatamente como fazer, é uma meta louvável.
b) estabelecer um limite para as despesas de custeio
inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as
vinculações e as indexações que engessam o orçamento;
Excelentes propostas, de alto comprometimento com a
responsabilidade fiscal, cuja lei atual é bastante fraca, conforme demonstrado
sucessivamente pelo Governo Dilma, que a deturpou e rasgou a bel prazer.
c) alcançar, em no máximo 3 anos, a estabilidade da relação
Dívida/PIB e uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5%, que juntos
propiciarão juros básicos reais em linha com uma média internacional de países
relevantes – desenvolvidos e emergentes – e taxa de câmbio real que reflita
nossas condições relativas de competitividade;
Não gosto de qualquer nível de inflação, pois inflação
constitui meio impróprio de tributação através de expansão monetária com
criação de dinheiro do nada. Também não gosto de controle cambial, como sugere
levemente essa alínea, que como um todo deve ser vista com muitas reservas.
d) executar uma política de desenvolvimento centrada na
iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem
necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura,
parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime
anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de
preferência?
Excelente, à exceção do último ponto. O PMDB é um fã da
Petrobras, de onde tira o grosso do seu financiamento, como bem se vê via
Operação Lava Jato. É pedir muito do partido que se livre de um fetiche tão
lucrativo quanto a petrossauro é.
e) realizar a inserção plena da economia brasileira no
comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos
regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos,
União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora
preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo
integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade
e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no
comércio internacional;
Espetacular posicionamento. O Mercosul hoje é um entrave à
livre negociação do Brasil com o exterior. Um texto na medida certa do ponto de
vista político, pois avisa que quer os parceiros locais, desde que se alinhem à
nova política livre-mercadista. Eu, particularmente, preferiria um rompimento
reto e definitivo com o Mercosul, criando acordos bilaterais com os países do
bloco que assim desejassem, mas o que temos nesse programa já é um bom caminho.
f) promover legislação para garantir o melhor nível possível
de governança corporativa às empresas estatais e às agências reguladoras, com
regras estritas para o recrutamento de seus dirigentes e para a sua
responsabilização perante a sociedade e as instituições;
Regras de accountability e compliance são sempre importantes
de serem implementadas no setor público. A melhor abordagem no que tange às
empresas estatais, no entanto, seria a privatização com abertura de mercado, e
o ideal seria a abolição das agências reguladoras.
g) reformar amplamente o processo de elaboração e execução
do orçamento público, tornando o gasto mais transparente, responsável e
eficiente;
Outro caso de excelentes metas, mas sem os mecanismos de
obtenção desses resultados.
h) estabelecer uma agenda de transparência e de avaliação de
políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise
dos impactos dos programas. O Brasil gasta muito com políticas públicas com
resultados piores do que a maioria dos países relevantes;
Outro caso de transparência e accountability para
modernização do setor público.
i) na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas
prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos;
Protocolo de intenções de flexibilização das leis trabalhistas,
o que é muito necessário para a redução do custo-Brasil e combate ao
desemprego, mas sem convicção.
j) na área tributária, realizar um vasto esforço de
simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do
ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino; desoneração das
exportações e dos investimentos; reduzir as exceções para que grupos parecidos
paguem impostos parecidos;
Ótimos projetos de redução e isonomia tributária. A
unificação da legislação do ICMS corrigirá uma distorção histórica contra o
Estado do Rio de Janeiro. Só temos cautela quanto à uniformização da alíquota
do ICMS, pois isso impediria a guerra fiscal que traz benefícios para os
Estados mais pobres, que passam a ter maior competitividade na atração de
indústrias, além de reduzir preços para o consumidor final dos produtos
beneficiados, em caso de regime de livre-mercado concorrencial.
k) promover a racionalização dos procedimentos burocráticos
e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a
realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem
ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados;
Outros ótimos pontos abordados com simplicidade e
eficiência. Precisamos desburocratizar o país.
l) dar alta prioridade à pesquisa e o desenvolvimento
tecnológico que são a base da inovação.
Universidade é local de pesquisa científica, não de
proselitismo político de esquerda. Ótima proposta.
Concluindo…
Em suma, a agenda Temer não é a melhor agenda do mundo, mas
dentro do péssimo histórico brasileiro, se esse plano for seguido à risca, há
uma real chance do Brasil deixar de ser o país do futuro para virar o país do
presente.
Mas, como diria o grande Garrincha, “só falta combinar com
os russos”.
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