O estado
mental gelatinoso e sedentário do brasileiro
Li recentemente “O homem medíocre” pela primeira vez e
recomendo. Nesta época, o cetro do poder político brasileiro esta em outras
mãos e a oposição não se apresenta como modelo das mais seráficas virtudes. Um
capítulo do livro, em especial, chamou-me a atenção por parecer escrito para
aquela realidade. O autor, José Ingenieros, tratava, ali, da diferença entre a
mera honestidade e a virtude, bem como da falsa honestidade daqueles que a
exibem como troféu.
“Em todos os tempos, a ditadura dos medíocres ( que impera por
aqui) é inimiga do homem virtuoso. Prefere o honesto e o exibe como
exemplo. Mas há nisso um erro ou mentira que cabe apontar. Honestidade não é virtude, ainda que não seja vício. A virtude se
eleva sobre a moral corrente, implica uma
certa aristocracia do coração, própria do talento moral. O virtuoso se
empenha em busca da perfeição.”
Com efeito, não fazer o mal é bem
menos do que fazer todo o bem que se possa. Ser e proclamar-se honesto para
consumo externo é moldar-se às
expectativas da massa e isso fica muito aquém da verdadeira virtude. “Não há diferença entre o covarde que
modera suas ações por medo do castigo e o cobiçoso que age em busca da
recompensa“, afirma o filósofo portenho enquanto sentencia sobre o homem medíocre: “Ele teme a opinião pública porque ela
é a medida de todas as coisas, senhora de seus atos“. Temia,
filósofo Ingenieros, temia. O medíocre
não mais teme a opinião pública porque a
nação tolerou prostituir-se em troca de umas poucas moedas.( crédito fácil
e consumismo sem freios)
Não demorou muito, daquela minha
leitura, para que as palavras de Ingenieros desnudassem a intimidade do novo
círculo de poder que se instalara no país! Presentemente, após 12 anos disso,
sempre em dose crescente, estou convencido, como nunca, de que jamais enfrentaremos de modo correto a degradação das práticas
políticas brasileiras se não compreendermos o que é a virtude e como ela se
expressa no plano pessoal e no plano institucional.
Há alguns anos, quando se
discutia com disposição semelhante à de agora a conveniência e o conteúdo de
uma reforma política, instalou-se na opinião pública ampla convergência quanto
à indispensabilidade de ser criado preceito que impusesse a fidelidade partidária. “É preciso estabelecer a fidelidade
partidária!”, clamavam as vozes nas calçadas, em torno das mesas de bar, nas
academias e nos salões do poder.Pensei como alertar os brasileiros contra a falsa
esperança que a nação depositava nesse instrumento
de coerção. Tudo que se lia sobre o assunto passava a impressão de que a
infidelidade partidária sintetizava nossos males políticos e era o coração
ético de uma boa reforma. Por quê? Nunca entendi. Há coisas que se repetem sem
explicação plausível.
Decorridos, já, sete anos de
vigência do instituto da fidelidade partidária está demonstrado que ela em nada
melhorou o padrão das relações institucionais entre o governo e o parlamento,
nem a conduta dos agentes políticos nacionais.
É preciso distinguir, portanto, a virtude que se alcança por adesão
voluntária a um determinado bem, da virtude intrínseca a modelos institucionais
que inibem a conduta não virtuosa. A fidelidade será, sempre, um produto da
vontade humana. O pérfido só renunciará
a perfídia quando ela se mostrar inconveniente. O venal pode trocar de
camiseta, mas só não terá preço se não houver negócio a ser feito. É por
esse motivo que quando o STF proclamou a constitucionalidade da Lei da Ficha
Lima, eu pensei que estávamos trocando de fichas, ou de fraldas como diriam
alguns, mas não estávamos acabando com a sujeira que, logo iria encardir outras
tantas.
Por quê? Porque essa lei parece
desconhecer que a corrupção tem causas
em duas fragilidades, a da moralidade individual e a institucional. No
plano das individualidades, só teremos pessoas virtuosas em maior número quando
forem enfrentadas certas questões mais amplas, na ordem social. Ou seja,
quando:
• a
virtude for socialmente reconhecida como um bem a ser buscado;
• escolas e universidades
retomarem o espírito que lhes deu origem e levarem a sério sua missão de
formação e informação e não cooptação;
• famílias e meios de
comunicação compreenderem a relação existente entre o desvario das condutas
instalado na vida pública e o estrago que vêm produzindo na formação da
consciência moral e na vida privada dos indivíduos;
• o Estado deixar de ser fonte
de privilégios;
• for vedada a filiação
partidária dos servidores públicos;
• forem extintos os CCs na
administração direta, indireta e Estatais;
• a sociedade observar com a
atenção devida o método formativo e educacional das corporações militares;
• voltar a ser cultivado o amor
à Pátria;
• a noção ideológica de “la
pátria grande” for banida por inspirar alta traição;
• as Igrejas voltarem a
reconhecer que sua missão salvadora nada tem a ver com sociedade do bem estar
social, mas com sociedade comprometida com os valores que levam ao supremo Bem.
Não há virtude onde não há uma robusta adesão da vontade ao Bem. E isso
não acontece por acaso. É uma busca que exige grande empenho.
Contudo, a democracia (governo de
todos), não é necessariamente aristocracia
(governo dos melhores) não siguinifica
ricos. E será sempre tão sensível
à demagogia quanto a aristocracia é sensível à oligarquia. Portanto, numa
ordem democrática, como tanto a desejamos, é necessário estabelecer instituições que, na melhor hipótese, induzam os agentes políticos a
comportamentos virtuosos ou, com expectativas mais modestas, inibam as
condutas viciosas. Ora, o modelo político brasileiro
parece ter sido costurado para compor guarda-roupa de cabaré. Infelizmente
não há como frear a corrupção que se
nutre num modelo institucional que a favorece tão eficientemente, seja na ponta
das oportunidades, seja na ponta da impunidade, vale dizer, pela via das causas
e pela via das consequências. Não estou falando de leis que a combatam, mas
de um modelo político que a desestimule.
Como? Adotando procedimentos
e preceitos comuns nas Forças Armadas. Libertando a administração
pública dos arreios partidários, por exemplo. Ao entregar para o
aparelhamento partidário a imensa máquina da administração (que a
mais elementar prudência aconselharia afastar das ambições eleitorais), o
Brasil estará entregue a malandros carismáticos. “É politicamente inviável
fazer isso no Brasil”, estará pensando o leitor destas linhas em coro com a
grande maioria dos que, entre nós, exercitam poder político. Eu sei, eu sei.
Não sou ingênuo. Está tudo errado, mas não se mexe. As coisas são assim, por
aqui.
Do mesmo modo como a fusão do Governo (necessariamente
partidário e transitório) com a Administração (necessariamente técnica e neutra
porque permanente no tempo) cria problemas e distorções de conduta, a fusão do
Governo com o Estado (que, por ser de todos, não pode ter partido) faz coisa
ainda pior no plano da política interna e externa. Desde a proclamação da
República, todo governante trata de aparelhar o Estado e exercer influência
sobre suas estruturas.
Por fim, quero lembrar que o
relativismo moral veio para acabar com a moral. O novo totalitarismo elegeu
como adversário os valores do Ocidente. Multidões, sem o perceber, tornaram-se
moralmente sedentárias.
Abandonaram
os exercícios que moldam
a consciência e fortalecem a vontade. Ao fim e ao cabo, em vez de uma sociedade
onde os indivíduos orientam suas vidas segundo os conceitos que têm,
constituímos uma sociedade onde os indivíduos conformam seus princípios e seus
valores à vida que levam.
Quer compreender de forma simples o resultado de um assalto de bilhões?
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