'O PT
potencializou o patrimonialismo'
Professor de Filosofia e especialista na formação
intelectual do Brasil, Ricardo Vélez Rodriguez afirma que o PT usou a
prática para construir hegemonia partidária
O professor Ricardo Vélez Rodriguez é uma figura
peculiar no meio acadêmico: nascido na Colômbia, ele coordenou um dos primeiros
centros de pós-graduação dedicados exclusivamente ao pensamento brasileiro, na
Universidade Federal de Juiz de Fora. Autor de obras sobre o patrimonialismo e
o Castilhismo - regime autoritário que nasceu no Rio Grande do Sul e teve
influência decisiva sobre a República brasileira -, Rodriguez vive no Brasil
desde 1979 e especializou-se em identificar as raízes históricas e culturais
das mazelas que assolam a política brasileira. Aos 72 anos, ele vive em
Londrina (PR) e continua lecionando. Rodriguez analisa o cenário político atual
e afirma: o Partido dos Trabalhadores elevou as práticas patrimonialistas a um
nível sistêmico.
A corrupção no governo do PT tem algo de inédito?
A ciência política tem o conceito de
patrimonialismo, que consiste na utilização do Estado ( os impostos pagos por todos) como instrumento de
enriquecimento. Ele é tão velho quanto a história do Brasil. Há momentos na
história republicana em que esse senso de patrimonialismo fica evidente. Um
deles foi no governo Sarney. Mas o PT realmente piorou as coisas em relação aos
períodos anteriores, porque tornou a corrupção sistêmica. Elaborou uma espécie
de grande proposta estratégica de garantir a roubalheira continuada utilizando
para isso as empresas e os bancos estatais. Nunca se viu algo tão sistemático.
Fernando Collor foi posto na rua porque Paulo César Farias tinha uma certa
ideia de engenharia da corrupção, mas era ladrão de galinha comparado com o que
o PT fez. Nos dez anos antes de chegar ao poder, o PT já tinha aparelhado o
segundo escalão de ministérios da área social, como Saúde e Educação. Depois
foi só colocar a colocar a culpa e sistematizar a coisa, porque já estava feito
o trabalho de penetração. Eu digo que com o PT houve o seguinte fenômeno: a
engenharia da corrupção conseguiu realizar a corrupção da engenharia. As
grandes empresas que faziam obras de vulto para o Estado todas entraram no beco
da corrupção com o PT.
O PT usa o patrimonialismo para fins diferentes?
Não tenha dúvida. Há uma proposta hegemônica
no PT, aliada a um populismo que desmancha as instituições. Lula se encarregou
de desprestigiar todas as instituições republicanas, começando pelo Executivo,
que ficou cheio de podridão. O Legislativo, com o mensalão e o petrolão,
tentou-se comprar. E o Judiciário foi aparelhado. Havia marxistas-leninistas no
meio pensando a coisa. É o caso de José Dirceu. O PT tinha na cúpula um
elemento estratégico que pensava uma perpetuação hegemônica do poder, de tipo
gramsciano, e buscava garantir o financiamento disso. Foi um momento de
potencialização dessa tendência privatista do poder econômico através do Estado
para garantir uma hegemonia partidária em direção a um modelo totalitário, não
há dúvida. O desaguadouro disso é a Venezuela. O modelo venezuelano é um modelo
já mais avançado.
Mas a postura do PT nem sempre coaduna com os
ideais socialistas.
O que acho que se deve
compreender é o seguinte: qual é a carta que o PT e os bolivarianos compraram?
O pensamento de Chávez, o líder dos bolivarianos, qual era? Chegar ao poder
utilizando o voto e as estruturas existentes. A proposta da revolução cultural
gramsciana é esta. Visto que a revolução do proletariado no modelo clássico
leninista sai muito cara e é muito pouco realizável devido à conjuntura
internacional, é muito mais prático tomar por dentro. Como? Fazendo cair os
valores da chamada sociedade burguesa. Então atacam a família, atacam a
religião e tomam conta do sistema de ensino para rebaixá-lo. Paralelamente
aparelham o Estado para financiar o partido no poder, que era a ideia de
Gramsci. O "novo príncipe" de Gramsci era o partido hegemônico. O que
o PT queria é isso.
O surgimento de uma oposição mais forte ao PT é
algo temporário ou o cenário realmente mudou?
Acho
que é algo diferente, porque passam meses e meses e os panelaços continuam.
Querem tirar o PT de todas as formas. Eu acho que a oposição formal brasileira
não entendeu direito o espírito da coisa. Os cardeais tucanos voaram todos em
bando para Nova York no dia em que Fachin iria ser sabatinado no Senado. A
oposição dá refresco demais ao PT. Era o papel da oposição formal,
fundamentalmente do senador Aécio Neves, dar as caras e fazer o combate. E as
ruas entendem isso. O próprio PSDB vai sentir nas próximas manifestações um
pouco essa cobrança.
Uma eventual guinada ideológica no Brasil poderia
influenciar o restante da América do Sul?
Acredito
que sim. A crise é do PT e é da esquerda brasileira, que não tem proposta.
Ficou restrita a essa missão estatizante maluca e não há uma visão clara. Falta
quem veicule em programa político-partidário uma proposta conservadora que
certamente teria muitos seguidores. É necessário que exista um partido
conservador, que defenda causas que a esquerda esqueceu. Por exemplo: a defesa
da família. Isso virou uma espécie de coisa careta que político nenhum quer
mencionar. Hoje alguns evangélicos começam a colocar isso na rua. Mas eu acho
que é uma proposta a ser defendida. O eleitor não encontra um partido
conservador que seja uma opção clara. A própria Igreja Católica terminou
perdendo muito do poder de comunicação. A CNBB tem ficado escondida feito uma
ostra em face de todas essas coisas. Eu não vejo um pronunciamento da CNBB
contra a imoralidade reinante, porque eles ficaram muito atrelados à política
do PT. A bem da verdade o PT é filho do movimento sindical e da Igreja
progressista. Então a Igreja progressista ficou calada e está perdendo espaço
para outras vertentes mais conservadoras e perdendo capacidade de análise politica
desse momento.
A tendência autoritária dos governos brasileiros
tem raízes históricas?
O problema é
esse. A nossa República já nasceu sob o signo da hipertrofia do Executivo. O
modelo republicano que progrediu foi o praticado por Júlio de Castilhos. Esse
modelo germinou lá no Rio Grande do Sul e em 1930 assumiu o protagonismo
nacional com a segunda geração castilhista, por meio de Getúlio Vargas. É um
regime de concentração de poderes no Executivo e de desvalorização no
Legislativo. Para Getúlio valia o mesmo principio que valia para os
castilhistas: O regime parlamentar é um regime para lamentar. Tira poderes do
Legislativo, centraliza tudo o Executivo. Essa hipertrofia do Executivo é o que
mais tem prevalecido.
Os militares também foram influenciados por essas
ideias?
A volta dos gaúchos ao poder no
regime militar é uma volta do castilhismo, sem dúvida nenhuma. Tanto do
castilhismo da primeira geração, com hipertrofia do Executivo, quanto do
castilhismo da segunda geração, com essa figura do autoritarismo instrumental.
Leonel Brizola também se dizia influenciado por
Júlio de Castilhos e, por sua vez, influenciou a presidente Dilma Rousseff.
O Brizola era castilhista de coração.
Acreditava na hipertrofia do Executivo e adotava um discurso estatizante. É um
sujeito que pegou os ideais castilhistas e os plantou do lado da esquerda. No
Rio Grande do Sul houve um laboratório em que PT fez os ensaios iniciais para a
tomada do poder. Os governadores petistas eles colocaram em andamento uma
hipertrofia do Executivo, uma ingerência do Executivo muito dentro da linha
castilhista.
O vício autoritário de governos de esquerda e
direita no Brasil se deve, então, a equívocos na formação intelectual do país?
Uma das causas é que a intelectualidade
brasileira da área de ciências sociais terminou sendo encampada por uma
proposta estatizante. Há um livro do professor Antonio Paim que é muito
interessante porque mostra como surge, na esteira da herança das ciências
sociais francesas, uma proposta de intelectualidade da esquerda brasileira que
é totalmente comprometida com a implantação de um vago socialismo. Esse vago
socialismo termina encampando propostas estatizantes. A crise hoje é uma crise
da esquerda, da intelectualidade da esquerda que entrou nesse beco sem saída, e
é necessário um arejamento cultural para poder sair dessa crise.
A militância que tem ido às ruas já se descolou
dessa mentalidade predominantemente de esquerda?
Eu acho que há uma volta de ideias liberais.
Há muitos jovens libertários, muita gente que transita pelas redes sociais,
estudiosos do liberalismo que estão redescobrindo o caminho das pedras, e acho
que essa geração que está alimentando esses movimentos de rua tem muito de
inspiração liberal. Falta, ao meu ver, um estudo mais sistemático do liberalismo
porque isso virou uma espécie de grande maldição no Brasil. É necessário dar a
essas novas gerações elementos de conhecimento sistemático do pensamento
liberal, do pensamento conservador, para poder arejar o ambiente e realizar
algo que tenha raízes profundas
Esse esforço não é pequeno. É tarefa para uma
geração?
É uma coisa é uma coisa de
longo prazo que será tanto mais rápida quanto mais rápido for organizado um
partido conservador, de direita que tenha um ideal liberal-conservador e o
coloque em prática. Acho que o país está carente disso. A sociedade brasileira
tem aspectos conservadores que foram esquecidos por todo esse discurso de
esquerda e precisam ser resgatados.
Os partidos não percebem isso?
O problema é que os partidos terminaram
vítimas do açodamento. Todos pensam na próxima eleição, não na próxima geração.
Não há uma perspectiva estratégica dos partidos. O único que tinha uma
perspectiva estratégica, é bom reconhecer, é o PT. Mas é uma perspectiva
estratégica destruidora. O grande problema é que nossos partidos ficaram reféns
dessa visão imediatista e personalista. Nossos partidos são como blocos de
carnaval, que têm batucada mas não têm enredo. Nós precisamos de escolas de
samba, com batucada e com enredo.
A crise no governo Dilma é reversível?
Eu acho que o PT vai terminar se esvaziando
como detentor do poder. É bem provável que, se os empresários que estão fazendo
delação premiada disserem tudo, o impeachment se torne uma
realidade. Mas isso não vai mudar as coisas da noite para o dia. Seria necessária
a uma proposta governamental diferente.
A saída, então, é pela via cultural?
Não tenha dúvida. Toda mudança profunda num
país tem como, dizia Benjamnin Constant de Rebecque, de levar em conta as três
variáveis clássicas: econômica, política e cultural. Econômica abrindo espaço
para a livre inciativa, a produtividade que no Brasil há muitas amarras que
atrapalham. Política mediante uma melhora da representação. Acho que adoção do
voto distrital seria um caminho. E, na parte cultural, acabar com esse
endeusamento do pensamento de esquerda que conduz ao nada. Arejar nossas ideias
e possibilitar que as novas gerações conheçam as ideias liberais e
conservadoras, que têm muito a dizer no mundo contemporâneo.
Não adianta tentar cala-la ela voltou, mostrando que ha vida inteligente no jornalismo
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