Depois de longos tres anos de recessão profunda, a economia
brasileira parece estar pronta para voltar a “crescer”. Entre aspas porque,
segundo o Boletim Focus, uma pesquisa junto aos analistas de mercado sobre
projeções para o futuro, o que se espera para 2017 é um crescimento de cerca de
0,5%.
É verdade que, graças à longa e forte recessão, há muita
capacidade ociosa na economia. Isso é representado pela elevada taxa de
desemprego – 13,9%, ou 14,2 milhões de desempregados -, bem como pelo baixo
nível de utilização da capacidade – indicador que, em março, atingiu 77%.
Em outras palavras: há espaço para, pelo menos por algum
tempo, crescimento acima do chamado “potencial” sem gerar pressões
inflacionárias. Mas quando esgotar-se tal espaço, estaremos limitados pela
nossa capacidade de fazermos mais com menos. Tal capacidade, porém, só se
expandirá com reformas que melhorem nosso ambiente de negócios. Caso contrário,
estaremos fadados à morosidade econômica.
O que é “crescimento potencial”?
Tome como exemplo uma fábrica de automóveis que, em um ano,
pode produzir 500.000 unidades. Suponha também que, em 2016, tal fábrica
produziu 300.000 unidades. Por fim, admita que a capacidade de produção da
fábrica não cresça, enquanto a produção cresce a 2% ao ano. Naturalmente, como
deve imaginar o leitor, essa situação só é sustentável enquanto houver
capacidade ociosa (isto é, enquanto a fábrica estiver produzindo abaixo de sua
capacidade).
Tal situação é análoga ao PIB de um país. O chamado “PIB
potencial” corresponde a quanto um país pode produzir na situação de “pleno
emprego”; seu crescimento, por sua vez, é chamado de “crescimento potencial”.
Como no caso da fábrica, só é possível crescer acima do potencial (sem gerar
pressões inflacionárias) enquanto houver capacidade ociosa, ou seja, enquanto
os galpões estiverem vazios e ainda haja pessoas para serem contratadas.
Quando o desemprego chega no piso e os galpões ficam cheios,
porém, estamos limitados a crescer ao ritmo da expansão potencial. Não é mais
possível contratar mais pessoas: é preciso expandir a produtividade ou, caso prefira
o leitor, o produto por trabalhador. Não é à toa que, certa vez, muito bem
disse o economista e Prêmio Nobel, Paul Krugman, que “No longo prazo, a
produtividade é quase tudo”.
De 2003 a 2013, o PIB brasileiro (isto é, quanto realmente
produzimos) cresceu acima do PIB potencial. Nesse período, o potencial cresceu
a uma média de 3,6%, enquanto o PIB “efetivo” cresceu mais de 4%. Como
resultado, o chamado “hiato do produto” (uma medida de ociosidade da economia),
passou para o campo fortemente positivo – o que significa que estávamos
produzindo acima de nossa capacidade.
A taxa de desemprego, por consequência, caiu, junto com um
aumento expressivo da chamada NUCI (Nível de Utilização da Capacidade
Instalada). O desemprego foi de 13,1%, em outubro de 2003, para um mínimo de
4,6%, em junho de 2014. A NUCI, por sua vez, saiu de cerca de 79% para perto de
85% ao longo da primeira década do século.
Estimativas do IPEA, contudo, não são nada animadoras. Estudo
realizado por José Ronaldo de Castro indica que, nos próximos anos, nosso PIB
potencial deve crescer à letárgica taxa de menos de 2% a.a. Considerando um
crescimento populacional médio de 0,6% a.a., como projetado pelo IBGE para os
próximos 10 anos, isso nos levaria a uma expansão da renda per capita da ordem
de 1,3% a.a.
Para que o leitor tenha dimensão do quão baixo é esse
crescimento, considere que, a esse ritmo (de 1,3% a.a.), a renda per capita
levaria 54 anos para dobrar. Esse tempo cai para 35 anos, caso ela cresça a uma
velocidade de 2% a.a., e seria de apenas 24 anos caso a renda crescesse 3% a.a
A produtividade brasileira
Existem muitas teorias que tentam explicar por que o Brasil é
improdutivo. Uma das mais comuns, e o leitor já deve ter se deparado com ela,
diz que “o Brasil é pouco produtivo porque produz coisas de baixo valor
agregado”. Segundo essa narrativa, seríamos improdutivos porque produzimos soja
e café, não iPads.
Quando olhamos para os dados, porém, tal teoria não se
sustenta. Estudo da FGV faz comparações contrafactuais interessantes entre o
Brasil e o resto do mundo. Primeiro, os autores fazem o seguinte exercício:
qual seria a produtividade do Brasil, se mantivéssemos nossa produtividade
setorial, mas deslocássemos mão de obra para outros setores, adotando a
composição setorial de outros países do mundo?
Em outras palavras: quão produtivos seríamos se movêssemos
trabalhadores para os setores onde estão os americanos, ingleses e alemães, mas
continuássemos tão produtivos quanto hoje? O que eles encontram é que a
produtividade média do trabalhador brasileiro, tivesse o Brasil a mesma
estrutura produtiva que os EUA, seria cerca de 68% maior. Tal ganho é de 54%,
na comparação com a França; 62%, na comparação com a Coréia do Sul; e 51%, na
comparação com o Japão.
Mas os autores vão além: qual seria a produtividade média do
trabalhador brasileiro caso ele fosse tão produtivo quanto o americano, nos
diversos setores da economia, mas continuasse empregado onde já está? Dito de
outra forma: e se nós continuássemos produzindo soja e café, mas fossemos tão
eficientes quanto japoneses, suecos e franceses?
O que os autores encontram é que, nessa segunda comparação,
os ganhos de produtividade seriam da ordem de 430% se fossemos tão produtivos
quanto os americanos; 258%, na comparação com o Reino Unido; e 238%, quando
comparados à Finlândia.
O que se pode concluir, portanto, é que não somos mais pobres
porque nos especializamos em setores menos produtivos; somos mais pobres, sim,
porque somos ineficientes na maioria das atividades que exercemos. Com a mesma
quantidade de insumos que americanos, japoneses ou alemães, produzimos menos.
O que faz a produtividade crescer?
Essa talvez seja a maior pergunta da Economia. O que faz
alguns países serem mais produtivos do que outros?
Certamente, o acúmulo de capital físico (leia-se: máquinas,
instalações e afins) explica parte significante das diferenças de
produtividade; o mesmo pode ser dito em relação ao capital humano (educação,
experiência) e à tecnologia. De fato, trabalhadores mais instruídos e melhor
equipados produzem mais com a mesma quantidade de insumos, o que se reflete em
maiores salários. Mas isso não é tudo. Nas últimas décadas, vem se criando um
consenso em torno da explicação que encontra maior aderência aos dados: as
instituições.
As instituições são as regras que nos governam. As leis, os
códigos, os processos, a moral e os costumes são todos instituições formais ou
informais. Hoje, sabe-se da importância do Estado de Direito, de leis
trabalhistas e um código tributário simples, segurança jurídica e direitos de
propriedade bem definidos.
Segundo Daron Acemoglu e James Robinson, em Por que as nações
fracassam, instituições de boa qualidade são chamadas de “inclusivas”; já as de
má qualidade, recebem o nome de “extrativistas”. As primeiras estimulam a
competição, os ganhos de produtividade, a inovação e inventividade, a criação
de novos produtos e negócios, o empreendedorismo, o melhor aproveitamento das
habilidades individuais, a capacitação, etc. Em resumo: geram bons incentivos
de mercado.
Já as instituições extrativistas são aquelas que extraem
renda de toda a sociedade para determinados grupos de pressão. É o caso, por
exemplo, dos empréstimos subsidiados via BNDES a projetos que não se
justificam; do elevado prêmio salarial do setor público; do protecionismo
comercial; da enorme e redundante burocracia, que só traz ganhos aos próprios
cartórios, entre tantas outras.
Afinal, para que bolar uma grande ideia e abrir um novo
negócio, quando se pode ganhar bem com estabilidade no serviço público,
conseguir um empréstimo barato no BNDES ou enriquecer com uma reserva de
mercado conseguida junto a agências reguladoras? Otaviano Canuto, diretor do
Banco Mundial, conta (a partir do instante 16:20) como, na tentativa de
atualizar a Lei de Falências brasileira, esbarrou em diversos grupos cartoriais
e do Direito público que ganhavam dinheiro com a situação anterior da Lei.
Carlos Góes, economista do FMI, mostrou, em estudo recente, o
impacto positivo das instituições sobre o PIB per capita. Os dados organizados
pelo Banco Mundial, no relatório chamado de Doing Business, que mede a
facilidade de se fazer negócios, são reveladores: os países mais ricos são
aqueles onde se é mais fácil abrir e fechar empresas, contratar e demitir,
comprar e vender e transformar ideias em negócios.
Tão importante quanto permitir a abertura de novas e mais
eficientes empresas, é facilitar o fechamento de empresas velhas e
improdutivas. Hsieh e Klenow, por exemplo, mostram como entre 30 e 50% da
diferença de produtividade entre os EUA e a China, e entre 40 e 60% da
diferença entre EUA e Índia, se deve à maior presença de empresas ineficientes
nos dois países emergentes.
Países pouco produtivos, seja por lobby, ideologia ou
corrupção, preservam empresas ineficientes, às custas da produtividade média. O
processo de mercado é uma entrada e saída constante de empresas de surgem e vão
à falência, promovendo ganhos que se espalham por todo o resto da economia. É
claro que se trata de uma dinâmica dolorosa – especialmente para aqueles que
perdem seus empregos -, mas o corolário são ganhos constantes de eficiência.
Instituições no Brasil
Como mostrado no gráfico acima, o Brasil não é conhecido por
ter as melhores instituições do mundo. Somos apenas o 123º colocado no dito
ranking. Importante, porém, é olharmos para o filme, não apenas para a foto.
Na década de 90, desde o governo Collor, foram implementadas
uma série de reformas estruturais que modificaram o paradigma da economia
brasileira. A abertura comercial daquela época, por exemplo, como documentado
por Lisboa, Menezes e Schor, trouxe ganhos expressivos ao crescimento da
produtividade das firmas por permitir um maior acesso a insumos e bens de
capital mais eficientes.
A ampla rodada de privatizações, bem como a quebra de
monopólios estatais, a liberalização e construção de mercados, a reforma
promovida no sistema financeiro, bem como tantas outras, trouxeram ganhos ao
crescimento da chamada Produtividade Total dos Fatores (PTF) – uma espécie de
medida geral de produtividade da economia – anos à frente. Na década de 2000,
também foram realizadas reformas importantes, como a introdução do crédito
consignado – que reduziu os juros ao tomador sem onerar o Tesouro.
A agenda para aumentar a capacidade de crescimento da
economia brasileira passa por reformas que beneficiem o crescimento da
produtividade. Para tanto, são necessárias uma reforma tributária que diminua a
complexidade do nosso código de impostos, bem como a multiplicidade de
alíquotas e regimes; uma reforma trabalhista que diminua a insegurança
jurídica, amplie a flexibilidade na relação patrão-empregado e permita a
manutenção de empregos em tempos de crise; maior abertura ao comércio exterior
e integração às cadeias globais de valor; melhorias do ambiente de negócios
brasileiros, diminuindo o tempo e os processos necessários para se abrir e
fechar empresas, facilitando a competição e o processo de mercado e reduzindo o
chamado Custo-Brasil; além de mais um sem-número de reformas microeconômicas.
Todo ganho de eficiência e produtividade, sem descuidar dos
mais vulneráveis, é muito bem vindo. A agenda não é de fácil implementação, pois
envolve contrariar grupos de interesse que não estão dispostos a perder seus
privilégios e proteções. Ao fim e ao cabo, entretanto, a grande maioria sairá
ganhando.
Confira nos gráficos abaixo: