Uma pergunta que foi feita várias vezes durante a campanha
era sobre a razão do mercado desabar toda vez que as pesquisas mostravam a
vitória do PT. Pela lógica a reeleição da presidente petista implicaria na
manutenção das políticas econômicas de forma que se a economia não melhorasse
pelo menos não deveria piorar. É verdade, mas o governo Dilma levou a economia
a uma situação tão esdrúxula Como chegamos a esse ponto é a primeira
pergunta que devemos responder se quisermos sair dessa situação.
Para dar a resposta será preciso recuperar a história de como
chegamos onde estamos e o que deu errado no governo petista (o que deu
certo deixo para os marqueteiros do governo anunciarem). Voltemos à década de
1980. Os anos do regime de 9164 ( ciclo militar) deixaram o país em uma crise política e econômica.
Nos anos finais do regime a economia parou de crescer, a inflação saiu de
controle, a concentração de renda tinha aumentado de forma considerável, as
instituições estavam desacreditadas e o país devia o que tinha e o que não
tinha para o resto do mundo. O primeiro desafio era recriar um conjunto de
instituições democráticas que servissem de base para a reconstrução do país. Em
condições normais esta já seria uma tarefa difícil, mas o destino fez ficar
ainda mais difícil. Tancredo Neves, depositário da confiança popular e símbolo
da resistência democrática à ditadura, morreu nas vésperas de tomar posse como
Presidente da República. Em seu lugar entrou José Sarney, um político sem apelo
popular na maior parte do país e fortemente identificado com o apoio civil à
ditadura.
Sarney
Talvez por conta da fragilidade política Sarney resolveu
apostar todas as fichas em alternativas heterodoxas para estabilizar a economia
sem recorrer a apertos monetários e/ou fiscais o que seria o caminho correto. Como não podia deixar de ser a
tentativa começou bem, mas rapidamente deu errado e jogou o país em uma crise
ainda maior. Pior, os seguidos ministros da área econômica de Sarney se
recusaram a abandonar a receita de choques heterodoxos, a cada choque a
situação ficava ainda pior. Se do ponto de vista econômico o governo Sarney foi
um desastre o mesmo não pode ser dito do ponto de vista político e
institucional. Bem ou mal, talvez mais mal do que bem, foi promulgada uma Nova
Constituição que serviu de base para a reconstrução do Estado brasileiro. O
governo Sarney falhou miseravelmente na economia, mas talvez tenha tido sucesso
no que era mais importante à época: viabilizou os fundamentos de nossa democracia.
De posse de uma Constituição e das sementes da nova ordem
democrática o próximo passo era arrumar a economia. Collor começou com uma
tentativa ainda mais desastrada que a de Sarney, não bastasse intervir nos
preços, o infame Plano Collor destruiu a credibilidade do setor público e
comprometeu a do mercado financeiro ao “alongar compulsoriamente” os prazos dos
títulos da dívida pública e até mesmo de depósitos à vista em bancos
comerciais. O desastre econômico veio junto da crise política que pôs fim ao
governo Collor, mas não às recém criadas instituições democráticas. A
Constituição sobreviveu à queda do governo, fato que com muita justiça foi
comemorado à época. Itamar ficou com a tarefa de estabilizar a economia. A esta
altura o Brasil já tinha tentado todas as formas possíveis e imaginárias de
choques heterodoxos e todos tinham fracassados, a saída foi tentar algo mais
ortodoxo, o que foi um sábia decisão Não sem alguma ironia vários economistas que estiveram à frente das
tentativas heterodoxas se converteram e acabaram responsáveis pelo ajuste
ortodoxo (outros tantos até hoje insistem em tratamentos heterodoxos).
O ajuste ortodoxo a que me refiro é o conhecido Plano Real.
Em linhas gerais o plano seguiu a receita de Thomas Sargent em um texto
clássico chamado “The End of Four Big Inflations”. A moeda “doente” foi
substituída por uma nova moeda sem choques e sem surpresas, principalmente sem
congelamentos de preços. A nova moeda estava presa ao dólar americano como
forma de passar confiança à sociedade. Lamentavelmente não foi feito o ajuste fiscal
necessário, apenas foi feito o ajuste possível. Na virada de 1998 para 1999 a
falta do ajuste fiscal cobrou seu preço a os fundamentos do Plano Real entraram
em crise, em particular o controle do câmbio ficou impossível. O resgate veio
com uma nova estrutura de política econômica que ficou conhecida como Tripé
Macroeconômico. O tripé consistia em metas de inflação, ajuste fiscal duradouro
e câmbio flutuante. As duas tentativas de estabilização, Plano Real e Tripé
Macroeconômico, acabaram por tomar os dois mandatos de FHC, porém a
estabilização foi feita. Faltava resolver os problemas sociais e retomar o
crescimento.
A transição de FHC para Lula colocou em cheque a
estabilização, de forma astuta o PT sustentou o que sempre criticou, o compromisso do novo governo com o Tripé Macroeconômico, o que acabou convencendo o mercado que a volta das aventuras da década de 1980 estava
descartada. De certa forma a transição de FHC para Lula foi para a
estabilização da economia o que a queda de Collor foi para as intuições
democráticas – nos dois casos o Brasil passou no teste de fogo. Se a garantia
da solidez das instituições democráticas permitiu a Itamar e depois FHC se
dedicarem à estabilização, a garantia da estabilização permitiu a Lula dedicar
seu governo ao combate à pobreza e à redução da desigualdade ou à retomada do
crescimento. Como era de se esperar, Lula escolheu as questões sociais – os
programas sociais foram expandidos e houve redução da desigualdade e da
miséria. O desafio do combate à pobreza não foi vencido, talvez nunca seja, mas
foi muito bem encaminhado. O segundo mandato de Lula seria dedicado ao
crescimento. Ao contrário da estabilização, onde Lula apostou em políticas
convencionais, a estratégia de crescimento do ex-metalúrgico era uma retomada
das políticas do passado. O governo de plantão direcionaria o investimento para
áreas que considerasse estratégicas e escolheria empresas campeãs nacionais amigas para puxar o resto da economia. Porém, em 2008, veio a crise financeira e o
governo Lula foi obrigado a mudar as prioridades; o objetivo passou a minimizar
os efeitos da crise no Brasil. O desafio do crescimento ficaria para o próximo
presidente.
Dilma tomou posse como a presidente do crescimento e nos
primeiros anos de governo chegou a afirmar que seria lembrada como a “presidenta
do PIBão”. Para estimular o crescimento Dilma reforçou a aposta nas políticas
ensaiadas no segundo mandato de Lula. O estado indutor do crescimento proposto
por Lula com Dilma se tornou o velho Capitalismo de Estado. Projetos ambiciosos
(lembram do trem-bala?), recursos sem fim para o BNDES e controle de preços
passaram a ser lugar comum na política econômica. Quando a agenda do
crescimento entrou em conflito com o Tripé Macroeconômico a presidente não teve
dúvidas em sacrificar o segundo. No lugar do tripé entrou a Nova Matriz
Macroeconômica de inspiração heterodoxa. Câmbio controlado para ajudar a
indústria local no lugar de câmbio flexível, política monetária voltada mais
para manter o emprego do que para controlar a inflação com tentativas de
reduzir juros na marra entrou no lugar do regime de metas de inflação e a
contabilidade criativa substituiu a política de ajuste fiscal. A bem da verdade
devo dizer que essa última substituição não tem inspiração heterodoxa – não
conheço nenhuma teoria econômica que recomende expandir o gasto público e
esconder a expansão com truques contábeis.
A combinação da Nova Matriz Macroeconômica com as políticas
desenvolvimentistas de meados do século XX gerou um crescimento próximo de zero
e uma inflação acima de 6% ao ano. Tudo piorado por um governo que em vez de
reconhecer o erro e mudar de rota, como Lula fez quando trocou o Fome Zero pelo
Bolsa Família, aprofundava no erro a cada vez que se sentia questionado. Os
poucos sinais que estaria disposto a mudar de rota foram fracos e acabaram se
dissipando. O governo Dilma não apenas falhou em retomar o crescimento da
economia como ainda comprometeu a estabilização. Foi assim que chegamos em uma
estranha situação onde a manutenção do governo faz o mercado desabar. Se é possível
reverter esta condição? Claro que sim, mas esta agenda tem que ser substituída por outra e não será fácil já que o PT sequestrou o Brasil para si.
Nenhum comentário:
Postar um comentário